Proprietário de terra que não tem a escritura é igual cidadão que não tem identidade e CPF, ou seja, não existe para o Estado brasileiro. O nosso país tem uma dívida incalculável com mais de 300 mil produtores rurais que vivem na esperança de o governo federal cumprir seu papel da regularização fundiária. E assim fazer justiça e separar o joio do trigo, garantindo o direito das famílias que foram chamadas pelo próprio governo na década de 1970 a desbravar os rincões, produzir alimentos e desenvolver o Brasil. Sem o documento da terra, não tem acesso a financiamentos agrícolas, licença ambiental, emissão de nota fiscal da produção e nem mesmo como comprovar sua condição de produtor rural para aposentadoria. E o pior, são colocados no mesmo balaio dos que desmatam, fazem queimadas e ocupam ilegalmente a terra.
Os produtores rurais e principalmente a agricultura brasileira têm sua imagem arranhada, pois transmitem ao mundo a mensagem de que ao longo de décadas a ocupação de terras públicas é permitida, e que ainda contam com o Congresso Nacional na elaboração de novas leis e com o governo para legalizar. Ou seja, a pessoa comete o crime e o Estado brasileiro resolve.
Esse histórico começou a mudar em meu relatório à Medida Provisória 910, transformado no Projeto de Lei 2.633 de 2020, da Regularização Fundiária, na definição do marco temporal de ocupação de 2008, o mesmo do Código Florestal. Na prática, o projeto de lei transmite uma nova mensagem, de que não vale mais a pena ocupar terras públicas ilegalmente no Brasil.
E ao analisar os quase 300 mil requerimentos junto ao Incra para regularização, chegamos à conclusão de que as propriedades com até 6 módulos fiscais contemplam 92% dos produtores. Em cada 100 produtores, 92 poderão ter sua escritura da terra. Esses 92% têm 7,5 milhões de hectares, que representam 47% da área de terra que pode ser regularizada. Enquanto os demais 8% de proprietários detêm 53% de toda terra.
Partindo do pressuposto de que o governo tem que tratar esses produtores rurais de maneira diferente, estipulamos no projeto de lei que até 6 módulos fiscais a vistoria poderá ser realizada remotamente utilizando imagens de satélite, enquanto em propriedades acima de 6 módulos a vistoria do fiscal do Incra terá de ser presencial, até porque esses 8% de ocupantes são áreas maiores e somam 8,5 milhões de hectares.
Ao modernizar a vistoria com a utilização do sensoriamento remoto, estabelecemos travas que deverão ser cumpridas para que a escritura ou título da propriedade seja emitido, tais como: apresentar o CAR (Cadastro Ambiental Rural), planta da área com georreferenciamento, não ser proprietário de outro imóvel, não ser funcionário público, não ter infração ou embargo ambiental, não ter sido beneficiário da reforma agrária ou regularização fundiária, não ter trabalhadores em condições análogas às de escravo e comprovar a ocupação anterior a 22 de julho de 2008.
Destaco, ainda, quesitos de transparência e credibilidade no nosso projeto, ao definir que as terras do governo que serão licitadas, todos terão igualdade na compra e não darão vantagem àqueles que já ocupam a terra, além da obrigatoriedade do Ministério da Economia de publicar na internet a relação dos produtores regularizados.
E para ampliar a capacidade operacional do Incra na regularização fundiária, garantimos na nova lei a possibilidade de fazer parcerias com entidades, como Emateres (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) e universidades.
A legitimidade do projeto de lei é baseada na ampla engenharia de consenso e debate, que realizamos com movimentos dos produtores rurais, sociedade, universidades, entidades do mercado, organizações não governamentais e especialmente com meus colegas congressistas.
Artigo publicado originalmente no portal Poder360: https://bit.ly/3fEvVod