Desde 2005, as empresas brasileiras têm o direito de acessar a recuperação judicial em situações de dificuldade. Esse benefício, no entanto, não se aplica aos produtores rurais do país. Para garantir isonomia no tratamento do assunto, o ex-senador e agora governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO), apresentou projeto de lei (PLS 624/2015), que estende as vantagens da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) para os agropecuaristas. Com a finalidade de discutir a proposta, foi promovida audiência pública na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado nesta quarta-feira (16), que contou com a presença de especialistas e entidades do setor agropecuário.
Em sua explanação, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Dias de Moura Ribeiro destacou que essa questão é bastante sensível e não deve ser resolvida pelo Judiciário. “Não há quem não saiba a importância do agronegócio, a quantidade empregos que gera no país e o problema da recuperação não é só do Brasil. Estamos falando da manutenção de empregos, de famílias nesse país”. E completou: “não somos legisladores. Quem tem traquejo da legislação são os senhores. O que viermos a fazer sempre haverá questionamento. Algum caminho temos que seguir”, disse, ao sugerir que o Congresso deve aprovar lei para dar segurança jurídica ao setor.
Já o senador Jayme Campos (DEM-MT), designado relator da matéria na Comissão, questionou se a simples inscrição estadual não seria suficiente para dar acesso do produtor à recuperação judicial. Ele deu um exemplo de situações vivenciadas em seu estado: “Um produtor grande, parte das terras dele era empresa e outra parte era pessoa física. Ele pediu recuperação judicial e a justiça não aceitou porque a legislação não permite. Fico preocupado porque isso mexe com a vida de muitas pessoas”, ponderou.
O consulto jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo de Oliveira Kaufmann, classificou a questão como complexa e acredita que o projeto apenas abre o debate sobre o tema. Ele afirmou que a entidade está aberta a participar da formulação de uma proposta que trate de recuperação judicial desde que contemple as especificidades da atividade agropecuária que hoje já tem tratamento diferenciado, conforme a determina a própria Constituição Federal. “Para a CNA, a recuperação judicial é um direito do agricultor. Não é uma concessão, não é possibilidade que se ancora na avaliação de riscos econômicos”.
Deputado Neri Geller (PP-MT)Crédito rural –
O deputado Neri Geller (PP-MT), que participou do debate, fez um alerta sobre os impactos do projeto no acesso ao crédito rural. Na sua opinião, uma norma sobre recuperação judicial deve considerar as particularidades do agro e evitar que o financiador da atividade restrinja o crédito por causa de um aumento do risco envolvido no contrato. E citou os mecanismos novos que o governo vem adotando para estimular o crédito privado, medidas que podem ser prejudicadas, na sua visão, por uma proposta que apenas estende as mesmas regras da Lei de Falências para a agricultura. “Eu defendo o crédito barato. Tem muitas pessoas que usaram essa ferramenta (recuperação judicial) para comprar mais áreas e acabaram prejudicando o crédito para nós, do Centro-Oeste. A recuperação judicial é uma ferramenta importante para quem tem problemas de intempéries, de mercado internacional, de câmbio. Mas a norma não pode deixar margem para caloteiro e acabar prejudicando a atividade”, disse.
O parlamentar mencionou que apresentou uma emenda à MP do Agro (MP 897/2019) – que contém medidas para ampliar o acesso ao crédito rural – para evitar que a CPR (Cédula do Produto Rural) esteja passível de recuperação judicial. Segundo ele, essa possibilidade poderia inibir empresas que financiam a safra por meio da emissão desse título do agronegócio.
Assim como o deputado Neri Geller, o advogado especialista em direito agronegócio, Renato Buranello, defende a criação de um estatuto do produtor rural que inclua diversas questões de interesse do setor, inclusive a recuperação judicial. De acordo com Buranello, a atual Lei de Falências não tem surtido efeito esperado para as empresas brasileiras e, portanto, não atenderia o setor agropecuário justamente por ter características muito próprias da atividade.
Ele mostrou um dado de que 60% das pessoas jurídicas em recuperação judicial viram empresas “zumbis”, sem capacidade de investimento. “Por que não tratar o agricultor num estatuto, num regime específico de recuperação, com menor judicialização, com grande acordo coletivo, com parceiros estratégicos? Estabelecer um estatuto ao produtor que, de fato, recupera que, de fato, proteja a atividade”, apontou.
André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), concorda com Buranello. Nassar diz que o produtor pessoa física, que é maioria no Brasil, tem acesso a um crédito de uma trading, com tratamento diferenciado do que teria uma pessoa jurídica. E aplicar a recuperação judicial para esse grupo aumentaria o risco da operação e limitaria o crédito disponível. “O acesso de produtores pessoa física na recuperação judicial vai colapsar o sistema de fomento de produção. É preciso tomar muito cuidado com esse assunto porque pode ter impacto no mercado de crédito e em políticas que o governo está implementando” disse ao também mencionar a recém editada MP do Agro. “A lei (de Falências) também não ajuda o produtor rural pessoa jurídica porque não atende as especificidades dele. Por isso, se fala em criar um estatuto”, acrescentou.