Artigo publicado no jornal Poder360, no dia 25 de outubro de 2017, por Xico Graziano
Você conhece alguém a favor do trabalho escravo? Certamente que não. Muita gente, porém, acha que os “ruralistas” defendem a escravidão no campo. Basta ler o noticiário recente.
Nele se percebe um terrível preconceito sobre os produtores rurais. A bem da verdade, para ser mais exato, a birra dos jornalistas recai mesmo contra a bancada ruralista no Congresso Nacional. Quando ela se manifesta, imediatamente leva bronca dos formadores de opinião, como se os parlamentares apenas se dedicassem a promover o mal. Ora, não é bem assim.
Tome-se o caso dessa portaria que alterou a fiscalização contra o trabalho escravo. Qual foi a razão da medida governamental, sugerida pelas lideranças políticas do agro? Acontece que, não raramente, os fiscais públicos elaboravam laudos tendenciosos, que penalizavam injustamente alguns agricultores, sujando seu nome para sempre. Sem direito ao contraditório.
O governo, então, decidiu adotar regras mais precisas para configurar aquelas situações de trabalho forçado, ou análogo ao de escravos. Assim fazendo, permitia também evitar a manipulação ideológica dos laudos, herdada do esquerdismo petista que adora punir o agronegócio. Divulgada sem qualquer explicação, porém, como costuma proceder esse desacreditado governo, a medida soou como uma negociata. Um libera geral no controle da escravidão rural.
Prato feito para a oposição, que deitou e rolou. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) esbravejou e até Fernando Henrique Cardoso se rebelou, denunciando um “inaceitável retrocesso na luta pelos direitos humanos”. Com a grita generalizada, o governo se esforçou para explicar melhor o assunto, divulgando fotos contidas nos autos –de beliches, banheiros, etc– querendo mostrar os exageros dos relatórios. Mas o estrago já estava feito.
Há alguns anos, eu próprio fui ao Vale do Araguaia, no Mato Grosso, conferir uma autuação de trabalho escravo ocorrida na fazenda Rio Preto, de um mineiro com nome de Romão Flor. Deparei-me lá com um excelente, e enorme, rebanho de gado nelore, distribuído em piquetes com pastos plantados, cochos de sal cobertos, alta tecnologia. A propriedade ocupava 246 empregados, sendo 89 vaqueiros, todos com carteira assinada. Moravam numa vila, mantida no local, casas de alvenaria, cesta básica gratuita, escola para a meninada. Tudo civilizado, zero latifúndio.
Mas –daí surgiu a pendenga– a equipe de fiscalização do trabalho, quando lá esteve, flagrou 6 trabalhadores rurais, sem registro profissional, fazendo a roçada de pastagens. Mais. Eles confessaram beber água diretamente das nascentes lá existentes e, quanto aos banheiros, não haviam nos prados: durante a jornada, disseram, faziam as necessidades ali mesmo, no matagal. Essa realidade, comum na roça, bastou para o (forçado) enquadramento como “trabalho análogo à escravidão”. Puro exagero. Denunciei o caso na época, em 2004.
O trabalho degradante, análogo à escravidão, incontestavelmente ainda subsiste alhures, seja no campo seja na cidade, e precisa ser combatido cotidiana e rigorosamente. Ninguém discorda disso. É inadmissível, porém, como tem ocorrido, transformar em crime de servidão irregularidades trabalhistas comuns e discutíveis. Aplique-se a lei com rigor, mas não se afronte a razão.
Agora que o STF, em decisão liminar nesta 3ª feira (24.out.2017) suspendeu os efeitos da controvertida portaria, ganha-se tempo para equacionar a matéria sem julgamentos apressados e tortuosos. Tomara que a PGR, que deverá elaborar uma solução para o impasse, não siga o perverso princípio de que, se os ruralistas defendem uma causa, esta não presta. Chega desse preconceito.