Foi publicado hoje (15), no Diário Oficial da Justiça, acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) no recurso em Mandado de Segurança (29.087) rebatendo a tese da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal (MPF) da “imemorialidade” das áreas ditas indígenas. Dessa forma, mais uma vez a Funai saiu derrotada em sua intenção de demarcar terras indígenas a qualquer custo em todo o território brasileiro.
Segundo o STF, são terras tradicionalmente ocupadas por índios aquelas por eles habitadas em cinco de outubro de l988, conforme preceitua o artigo 231 da Constituição Federal. Portanto, interpretações subjetivas de que em dado momento da história ocorreu ocupação de áreas por qualquer tribo, sem a efetiva, contínua e tradicional permanência no local, na data da promulgação da Constituição, não caracteriza como terra indígena.
Para a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), trata-se de uma importante referência jurisprudencial, pois é a primeira decisão colegiada exarada pelo STF, após o julgamento da Raposa Serra do Sol. Esta medida contribuiu para o desespero de algumas Ongs que estão agora aconselhando comunidades indígenas a peregrinarem pelos gabinetes dos ministros do STF para reverter o posicionamento adotado nesse caso.
Para melhor compreensão do assunto, veja a seguir o debate, integrante do acórdão, que ocorreu no referido julgamento:
[…] O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – No caso de Mato Grosso do Sul é exatamente essa conflagração que existe, em função de se estar fazendo demarcação de áreas altamente produtivas. Então, por isso que a questão se coloca.
Claro, Copacabana certamente teve índios, em algum momento; a Avenida Atlântica certamente foi povoada de índio. Adotar a tese que está aqui posta nesse parecer, podemos resgatar esses apartamentos de Copacabana, sem dúvida nenhuma, porque certamente, em algum momento, vai ter-se a posse indígena. Por isso que o Tribunal fixou o critério, inclusive em relação aos aldeamentos extintos que pegariam uma boa parte de São Paulo. Hoje, um dos maiores municípios, e talvez um dos maiores orçamentos e dos maiores PIBs, é o de Guarulhos. Então se esse argumento pudesse presidir, tivesse valia, certamente nós teríamos que voltar, e isso contraria, inclusive, a Súmula do Supremo sobre os aldeamentos extintos. Esse é um ponto importante.
Agora, vamos dizer que, não obstante a área deva ser concedida aos índios ou a área dos índios, já concedida, deva ser expandida, porque é a questão do conflito no Mato Grosso do Sul. Neste caso, faz-se o caminho da desapropriação, foi o que foi dito em Raposa Serra do Sol. Agora, de longe, as hipóteses de Raposa Serra do Sol, claro, nós dissemos: tecnicamente era um processo de caráter concreto, era uma ação popular, logo não teria efeito, mas isso não teria efeito “vinculante”.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Foi o que eu disse: vinculante.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Mas, não significa que nós fizemos lá uma boutade, que estivéssemos brincando ao julgar aquilo; até porque, o que nós dissemos? a União não pode amanhã retirar territórios a seu bel talante, e nós sabemos como isso é feito, esses laudos, laudo da FUNAI. E, veja, agora quanto à técnica, laudo da FUNAI dizendo que houve índio em algum momento, e isso é suficiente para retirar cidades inteiras de um dado local. Veja o risco que isso envolve para todos, quer dizer, infelicitando inclusive os índios que vão ser, na verdade, não sujeitos, mas objeto desse tipo de insegurança.
E mais: nós estamos julgando só com base nos dados postos nos autos. É mandado de segurança, sim; mas nós estamos julgando com base nos dados postos nos autos. O que é? Uma demarcação depois do nosso julgamento, portanto sob essa diretriz. E nós estamos julgando com base nos dados que já, a priori, atestam que a comunidade indígena já não estaria lá há mais de 70 anos. O próprio título; esses são os dados, e esses dados são insuprimíveis, são inquestionáveis, dados assumidos pelo próprio STJ.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Desculpe. Não, da ementa aqui do STJ, diz o seguinte: pretensão deduzida pelo impetrante que não encontra respaldo na documentação carreada aos autos.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Não. Mas, a documentação probatória é a do laudo.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Mas nós nos valemos do acórdão. Se o acórdão diz que a pretensão não tem respaldo…
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Não. O acórdão está calcado no laudo da FUNAI, e o laudo da FUNAI diz que há mais de 70 anos não havia famílias indígenas.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Mas são terras tradicionais, a Constituição assim o diz.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Terra tradicional é Copacabana, terra tradicional é Guarulhos.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Bem, mas Copacabana não chamou a atenção da ONU, e Mato Grosso do Sul chamou, interessante isso, não é?
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Agora, a ONU é o argumento para o quê?
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Não, Copacabana é o argumento para o quê?
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – É a posse tradicional.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Para mostrar um argumento ad absurdum? Isso é o que estou dizendo, é como a questão das terras quilombolas, há de se fazer a devida distinção. Eu ouvi dizer que existem quilombolas que reivindicam as terras lá da Lagoa, onde existem condomínios de luxo, é claro que modus in rebus.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – A solução jurídica está na desapropriação, segundo os parâmetros. Agora, os dados que estão no acórdão são claramente dados de que não havia posse indígena há mais de 70 anos, e para isso o próprio acórdão do STJ diz que alguns índios continuaram, com base no laudo da FUNAI, a prestar serviço como peões.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) – Mas, o agronegócio quer isso mesmo: expulsa os índios e depois os contrata como boias-frias. É assim que está acontecendo no Brasil todo.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Recentemente, Ministro, nós encontramos índios aqui em Brasília reivindicando a área do Noroeste. Certamente, nós que moramos em Brasília há muitos anos sabemos que não tinha índio em Brasília desde pelo menos a fundação, mas, se retornarmos no tempo, vamos achar, como em outras áreas do Brasil todo. Agora, recentemente houve uma discussão sobre índios no Noroeste, em função de um bairro que estava sendo criado. Certamente, vamos encontrar índios na construção civil, nas atividades de futebol, nas atividades industriais, nem por isso se diz que eles, na origem, estavam naquele local. Ora, então a questão posta no mandado de segurança, e é própria do mandado de segurança, porque as provas estão pré-constituídas, por isso que entendo que, no caso, segundo os parâmetros que nós estabelecemos, não havia posse indígena em 5 de outubro. Isso segundo o próprio laudo da FUNAI que lastreia, depois, a portaria, e que lastreia também a decisão do STJ.
Por isso que estou dando provimento ao recurso.