A Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados (CAPADR) ouviu, em audiência pública, nesta terça-feira (18), o ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, para discutir a Medida Provisória que autoriza a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) a importar até 1 milhão de toneladas de arroz.
Na terça-feira passada, a pasta anunciou a saída de Neri Geller depois de informar que o leilão de arroz realizado pela Conab seria anulado em virtude da desconfiança sobre a capacidade de as empresas vencedoras entregarem o produto. O leilão arrematou 263.730 toneladas de quatro empresas por R$1,3 bilhão.
Contra a importação de arroz, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), destacou que a Conab, em nota técnica de 13 de junho, afirmou não haver risco de desabastecimento no país, uma vez que até o mês passado, já havia 10,4 milhões de toneladas da safra colhida. O deputado criticou a decisão do governo de usar a tragédia no Rio Grande do Sul como justificativa para a importação, afirmando que em março já havia interesse do governo em comprar arroz, mesmo antes da crise.
“É uma compra de arroz internacional que vai prejudicar o produtor gaúcho e será distribuída para todo o mercado nacional, não atendendo especificamente o povo do Rio Grande do Sul”, argumentou Lupion.
O deputado também levantou questionamento sobre a legalidade e a necessidade do governo de utilizar esses recursos para realizar a importação. “O governo conseguiu colocar os R$ 7 bilhões fora do teto de gastos, sob o argumento de ser parte de assistência ao povo gaúcho, mas essa compra de arroz não é do produtor gaúcho e não é para o consumidor gaúcho”, afirmou.
Lupion ainda questionou: “Como pode o senhor Silvio Porto, diretor técnico da Conab, assinar uma nota técnica dizendo a necessidade da compra de arroz por causa de desabastecimento se a própria Conab emitia documentos reconhecendo que não havia desabastecimento?”
Ele também ressaltou a ligação de Silvio Porto ao PT da Bahia e mencionou “a compra de milho realizada pelo governo do estado, assinada pelo diretor técnico da Conab, que envolveu uma empresa de locação de veículos, a SR Locações, que nunca tinha se envolvido na compra de cereais. Isso levanta suspeitas de irregularidades.”
Pedro Lupion concluiu seu discurso reforçando apoio à CPI do Arroz proposta para investigar os detalhes dessa operação, buscando esclarecer as decisões tomadas e seus impactos para o setor agrícola e para o orçamento público. Ele solicitou a presença do Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, e do presidente da Conab, Edegar Pretto, para explicarem as decisões tomadas.
Edital da Conab
O deputado Tião Medeiros (PP-PR), autor do requerimento para a audiência pública, questionou os motivos que levaram à iniciativa da importação do arroz, considerando que tanto a Conab quanto a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL) já haviam assegurado que não havia risco de desabastecimento no país.
“Por que, sabendo que o Brasil já tinha cumprido as suas metas no mercado nacional, criar essa alternativa de compra de arroz de maneira tão equivocada, gerando tantas dúvidas, num volume financeiro tão grande como esses 7 bilhões de reais?”, questionou o deputado. Ele ressaltou que, em um momento de escassez de recursos, é necessário priorizar o Plano Safra e o Seguro Rural, que atualmente não têm dinheiro suficiente para equalização de juros e para a armazenagem dos produtos.
Segundo Medeiros, o edital da Conab para a compra do arroz foi frágil e sem critérios técnicos adequados de seleção, tanto que a vencedora foi uma locadora de veículos, além de outra empresa sem capital social compatível com o tamanho da compra. “Essas atitudes levantam suspeitas. Queremos entender quem motivou, quem criou, de onde veio isso. Primeiro, para que os erros não se repitam e para que de fato o que é prioridade para a agricultura seja cumprido”, afirmou.
Falta de infraestrutura
Medeiros destacou que o problema não é o desabastecimento do arroz, mas o escoamento do produto dentro do país, que enfrentou apenas problemas pontuais em alguns municípios do Rio Grande do Sul devido às chuvas, mas que já foram superados. “O risco de desabastecimento é zero, ele não existe. Se não existe risco de desabastecimento, não há justificativa plausível para comprar arroz para o Brasil. Isso tudo nos leva a crer em indícios de irregularidades e má gestão”, afirmou.
Casa Civil
O ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, iniciou sua intervenção destacando sua entrada na secretaria em dezembro do ano passado e seu envolvimento direto nas discussões sobre a política do arroz no Palácio do Planalto logo no início de janeiro.
“Eu assumi a secretaria em dezembro e em janeiro fui chamado para discutir o preço do arroz com o governo. Colocaram a preocupação do alto preço do arroz, gerando indício de inflação. Fiz uma apresentação ao governo de que na questão do abastecimento precisaríamos ter cautela, pois tínhamos uma janela de oportunidade para a produção nacional.”
Neri Geller explicou que, após as enchentes no Rio Grande do Sul, o governo teve a preocupação de criar pontes para atender os produtores locais. “Nossa posição foi acudir os produtores, e nossa presença foi exclusivamente para isso”, reforçou.
Ele também comentou que a atuação sempre foi transparente com o Congresso Nacional e o setor agropecuário. “Decidi sair nesse momento de discussão ideológica, mas deixo os itens esclarecidos. Não tenho o que esconder.”
Geller destacou que 83% do arroz já estava colhido e os 17% restantes estavam fora do eixo de inundação, sem se saber ao certo o quanto estava danificado. Sua sugestão foi, devido ao ataque especulativo de países do Mercosul, tirar a alíquota de exportação para estimular a entrada de arroz de fora do Mercosul, caso a logística não fosse recuperada. “Mas fomos voto vencido nos debates do comitê de crise liderado pela Casa Civil sobre a necessidade de leilão para compra de arroz importado.”
“Eu tinha por obrigação, sendo voto vencido, de seguir com o governo. Quando saí da questão do arroz, fui cuidar do plano safra. Deu-se o leilão e eu não sabia das empresas que estavam participando. Me perguntaram se meu filho estava participando do leilão e eu não sabia. Ele mesmo me falou que estava fora disso.”
Geller expressou ainda sua insatisfação com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e explicou que foi demitido sem o seu pedido. “O Fávaro não me recebeu e eu não pedi demissão. Fui notificado por e-mail do gabinete do ministro, pedindo minha exoneração a pedido. Pedi uma ratificação, pois não era demissão a pedido meu.”
O que disseram os membros da FPA:
A audiência pública foi marcada por críticas dos integrantes da FPA à condução da política agrícola e à gestão da Conab, especialmente no que diz respeito à justificação para a compra de arroz em um cenário de colheita nacional já avançada e sem risco iminente de desabastecimento.
“Essa iniciativa do governo de importação de arroz, embora aparentemente preventiva, é uma iniciativa eleitoreira e irresponsável. E o consumo brasileiro, recentemente, foi provado que reduziu um pouco. Então nós temos arroz suficiente para poder fazer frente à demanda.” – Deputado Luiz Ovando (PP-MS).
“É necessário que o governo saia da inércia e invista para resolver os problemas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, afetados por enxurradas e enchentes. Recursos precisam ser direcionados imediatamente para reconstruir estradas e pontes, permitindo que o arroz produzido no sul do país chegue às grandes cidades e evite qualquer desabastecimento nacional.” – Deputado Pezenti (MDB-SC).
“Esse leilão foi cancelado, mas precisamos cancelar um próximo. Vim aqui como produtor rural e é necessário expor esses absurdos que têm acontecido no país. O povo gaúcho e o povo brasileiro não merecem isso.” – Senador Ireneu Orth (PP-RS).
“E o presidente da Conab que assinou o processo? E o diretor Sílvio Porto, que não é essa santidade coisa nenhuma. O povo da Conab não sabia disso? Isso cheira maracutaia, tem que ser investigado sem dó nem piedade.” – Deputado Alceu Moreira (MDB-RS).
“A compra de arroz é uma facada do governo contra o Rio Grande do Sul e o setor agropecuário. O leilão é uma aberração com vínculos obscuros, tirando critérios técnicos tão importantes. O agro passa a maior crise da história e o produtor não sabe como pagar a conta.” – Deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS).
“A atitude irresponsável do governo, sem critério e discussão com o setor produtivo, criou uma grande cortina de fumaça sobre o estoque presente e os estímulos para plantações futuras, impactando negativamente a agricultura e gerando insegurança sobre possíveis importações que podem afetar os preços. Precisamos de previsibilidade e responsabilidade para evitar danos futuros.” – Presidente da Comissão de Agricultura (CAPADR), deputado Evair de Melo (PP-ES).
“O Rio Grande do Sul já colheu sua safra de arroz e não há motivo para essa importação. Precisamos cuidar do produtor brasileiro e lutar contra as ações do governo que tentam desmanchar o agronegócio, valorizando nosso pilar econômico.” – Deputado Rafael Simões (UNIÃO-MG).
“Eu lamento que mais de R$ 7 bilhões foram destinados para comprar arroz desnecessário, enquanto nem um bilhão foi destinado para ajudar o povo no estado, que envia mais de 40 bilhões em impostos para o governo sem retorno.” – Deputado Marcel Van Hattem (NOVO-RS).
“Como o RS vai superar esse momento, sem ajuda? Faltam poucas assinaturas para criar essa CPI. Espero que o governo trabalhe muito para essa CPI não ser instalada, porque ela vai apresentar dados importantíssimos. O Rio Grande do Sul chora e vê com indignação um projeto do governo de vingança e não de nação.” – Deputado Zucco (Republicanos-RS).
“Estamos apoiando totalmente a CPI do Arroz. Estamos falando de R$ 7,2 bilhões. Esse governo cortou o Bolsa Família, cortou verbas para a educação e no Rio Grande do Sul só colocou R$ 300 mil para cada cidade, e por que fazer esse leilão do arroz com esse valor? Por que não colocar esse dinheiro para ajudar o povo gaúcho?” – Deputado Coronel Meira (PL-PE).