Já se passaram mais de 15 anos desde a publicação da primeira versão da Medida Provisória 2.18616/2001, que regula o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, mediante repartição de benefícios.
Desde a sua publicação, a referida norma tem recebido inúmeras críticas, tendo sido ainda muito mal aplicada, especialmente pelo poder público leia-se Conselho de Gestão do Patrimônio Genético-CGEN e pelo Ibama.
As universidades, institutos de pesquisa e empresas públicas e privadas simplesmente veem-se impedidas pela forte burocracia estatal de realizar suas pesquisas e desenvolvimento de processos e produtos; barra-se, com o atual sistema, a inovação no país com a biodiversidade nativa. O tempo dirá se o Brasil está pronto para esta nova fase, a da economia com uso sustentado dos seus recursos naturais.
Essa situação tem feito com que essas pesquisas e, principalmente, o desenvolvimento tecnológico com nossa biodiversidade, sejam realizados no exterior, sem qualquer retorno financeiro ou tecnológico para o Brasil ou para as comunidades tradicionais e povos indígenas que aqui vivem e preservam a fauna e flora nativas. Acabamos, de forma paradoxal, por meio de uma norma tão ruim, incentivando a biopirataria internacional enquanto buscávamos coibila.
Isso porque, para realizar as pesquisas e desenvolvimento de produtos no Brasil, impõe-se o trâmite por uma quase insuperável burocracia no âmbito do CGEN, que exige autorizações prévias e negociações contratuais de repartição de benefícios de altíssima complexidade e de inaceitável lapso temporal, levando anos e anos para se conseguir uma única autorização pública.
Ademais, tentando ou não cumprir essas fases burocráticas, os pesquisadores, inovadores e empresários acabam sendo multados pelo Ibama, em valores que ultrapassam as centenas de milhões de reais, sem que haja contraditório e ampla defesa adequados, ou então veem-se diante de intermináveis e dispendiosos litígios judiciais que decorrem das dubiedades normativas e de alguns excessos burocráticos das autoridades competentes. desse cenário inadmissível de insegurança jurídica, ausência de incentivos, prejuízos à inovação e à competividade nacionais, o governo federal liderou um processo de revisão dessa Medida Provisória, nos últimos anos, que culminou na apresentação do projeto de lei 7.735 ao Congresso Nacional, em 24.06.2014, o qual tramita em regime de urgência constitucional.
Esse projeto de lei foi elaborado de forma conjunta por universidades, empresas, comunidades tradicionais, povos indígenas, Poder Público e demais interessados, democraticamente, resultando em uma inteligente, justa e interessante proposta de restruturação do sistema, com menos burocracia e maior incentivo à pesquisa, inovação e desenvolvimento. Por exemplo, é extinta a figura da autorização prévia do governo, a qual carece de fundamento constitucional, passando se a exigir somente o cadastro e notificação de produtos. A proposta regulamenta com maior clareza a repartição de benefícios, entre diversos outros aspectos positivos, que careciam de regulação adequada.
Não obstante a sua importância ímpar, tem-se que esse projeto de lei não foi apreciado de forma definitiva até hoje pelo Congresso Nacional. Após meses travando a pauta da Câmara dos Deputados, em razão do regime de urgência constitucional requerido pela Presidência da República, finalmente a proposta foi aprovada pelos deputados em 10 de fevereiro. Segue agora para o Senado para mais um burocrático trâmite legislativo.
Além da morosidade incompreensível do Congresso em votar o novo marco regulatório da biodiversidade, tem-se notado manifestações contrárias por parte de alguns representantes de comunidades tradicionais, os quais alegam que não teria havido a necessária consulta prévia quando da elaboração do texto da lei. Certamente, isso não parece corresponder à verdade, tanto porque as comunidades tradicionais e povos indígenas participaram ativamente da elaboração da lei, quanto lhes tem sido assegurada a oportunidade ampla de se manifestarem e apresentarem emendas no Congresso.
Além disso, os seus direitos estão respeitados no texto do projeto de lei, sendo que em alguns casos tais direitos foram acrescidos e melhor regulados, podendo citar, a título ilustrativo, a repartição de benefícios no caso de acesso a conhecimento tradicional associado de origem difusa e de origem identificável. Enfim, estamos diante de uma proposta equilibrada e justa, a partir da qual todos sairão ganhando, em benefício do desenvolvimento sustentável da nação.
Por isso, entendemos que o projeto de lei deve ser votado imediata e definitivamente pelo Congresso Nacional, de forma a substituir de pronto a malsinada MP 2.18616/2001. Modernizaremos o regime jurídico aplicável e incentivaremos a pesquisa e o desenvolvimento com biodiversidade nativa no Brasil.
O novo marco legal espera-se inaugurará no país uma nova fase de prosperidade e inovação, tornando a nossa significativa vantagem comparativa em efetivo diferencial competitivo. Para tanto, torçamos pela pronta, responsável e adequada votação do projeto de lei e, posteriormente, fiscalizemos a sua correta aplicação pelo Governo Federal, especialmente pelo CGEN e pelo Ibama.
O tempo dirá se o Brasil está pronto para esta nova fase, da economia sustentável, renovável e com fundamento nas leis e ciclos da natureza, mediante uso sustentado dos seus recursos naturais, ou se permanecerá na era retrógrada do desmatamento desenfreado e das inconsequentes fiscalizações e sanções ambientais, em detrimento da nossa saúde, do nosso ambiente e qualidade de vida.
Édis Milaré é procurador de Justiça aposentado. Foi criador e primeiro coordenador das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e Secretário do Meio Ambiente paulista.
Roberta Jardim de Morais é advogada em Milaré Advogados. Autora de “Segurança e Rotulagem de Alimentos Geneticamente Modificados Uma Abordagem do Direito Econômico” (Forense, 2004).
Bruno Kerlakian Sabbag é advogado sênior em Milaré Advogados, membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e vicepresidente do Instituto Brasileiro do Direito para a Mudança do Clima.
Fonte: Valor Econômico