Falta de acordo impediu votação da proposta no final do ano passado pela comissão especial que a analisa; ruralistas defendem que as decisões sobre demarcações sejam submetidas ao Congresso, mas opositores afirmam que medida contraria direitos dos índios.
Marcada pelo confronto entre indígenas e agricultores, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que submete ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil, pode ter sua análise retomada neste ano.
O coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), defensor da PEC, ressalta que o debate sobre os territórios indígenas é de interesse da bancada ruralista. O deputado Chico Alencar (Psol-RJ), contrário à proposta, também acredita na retomada da discussão.
No final de 2014, não houve consenso nas reuniões da comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a PEC, impossibilitando a votação do relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-SC). A proposta ainda tem de ser analisada em dois turnos pelo Plenário. Com o final da legislatura, ela será arquivada, mas poderá ser reapresentada na nova sessão legislativa, que será aberta no dia 2 de fevereiro.
A PEC foi apresentada pelo ex-deputado Almir Sá em março de 2000, incluindo entre as atribuições exclusivas do Congresso Nacional a aprovação da demarcação das terras indígenas. A palavra final do Legislativo seria dada por meio de decreto.
Serraglio apresentou relatório favorável à aprovação da medida, mas sugeriu algumas mudanças ao texto original. Entre elas, a previsão de que a demarcação seja feita por projeto de lei de iniciativa do presidente da República, e não por meio de decreto, como ocorre hoje.
O texto de Serraglio também prevê o direito de indenização dos proprietários de terras demarcadas pelo descumprimento do prazo constitucional para início da demarcação, fixado em cinco anos a partir de 1988.
Demarcações arbitrárias
Luis Carlos Heinze afirma que, além da aprovação da PEC, a bancada defende mudanças na Portaria 303/12, da Advocacia-Geral da União, que estabelece condicionantes para a demarcação de terras indígenas no País; e em regras da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério da Justiça, como a forma de encaminhamento dos laudos antropológicos que fundamentam as demarcações. “Temos de mudar, isso não pode ficar ao bel prazer de quem ideologicamente quer conduzir o processo”, critica.
O deputado responsabiliza a Funai pelos conflitos, pelo caráter arbitrário das demarcações feitas pelo órgão. “Existem mais de 30 processos de demarcação só no meu estado. Estão em terras produtivas, com gente com mais de 100 anos em cima da terra”, diz. Ele defende que o governo compre terras e as destine aos índios. “Compre onde quiser e ponha quem quiser. Agora, não vá atrapalhar a vida de quem está produzindo há dezenas de anos.”
Direitos indígenas
Chico Alencar acredita que o cenário agora será “mais favorável para as nossas colocações, que são simplesmente do bom senso e do respeito à diversidade cultural do Brasil”. “Você não pode encontrar soluções gerais para questões específicas, existem conflitos que envolvem comunidades indígenas ou segmentos dessas comunidades e pequenos produtores. Mas essa questão tem de ser examinada caso a caso, especificamente, e o debate deve envolver a Funai e o Ministério da Justiça, ou seja, todas as parte litigantes. É assim que a gente supera, e não mudando a Constituição de uma maneira genérica, o que permite uma fragilização grande dos direitos dos povos indígenas”, argumenta.
Alencar está alinhado ao discurso do novo ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, de que “ignorar ou negar a permanência da desigualdade e da injustiça é uma forma de perpetuá-las”. Ele se refere às declarações da nova ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que não existem mais latifúndios no Brasil e que os conflitos na zona rural ocorrem porque os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção. Para o deputado, a ótica da ministra sobre a questão fundiária no Brasil é “excludentemente” a do agronegócio.
“O ministro Patrus Ananias concorda plenamente com o que eu falei sobre a questão indígena, em relação às terras, em relação à reforma agrária. Então o governo parece que começa sob o signo profundo da contradição”, avalia.
Fonte: Agência Câmara