O empenho do agronegócio brasileiro em fortalecer o setor e torná-lo mais competitivo depende da construção de uma estratégia que contenha uma agenda positiva e sustentável, que integre a expansão da produção com a conservação ambiental e a responsabilidade social. A polarização das discussões em torno do novo Código Florestal, que já completou dois anos, resultou na edição de uma legislação que desagradou à maioria dos envolvidos, mas apresentou instrumentos positivos que podem de fato trazer avanços significativos para a sociedade.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é o principal ponto positivo do novo código, capaz de promover a regularização de 5,2 milhões de imóveis rurais e dar início aos processos de recuperação ambiental rural previstos na nova legislação. Com o decreto da Presidência da República que regulamenta o Código Florestal, publicado em 5 de maio, proprietários rurais têm o prazo de dois anos, a partir dessa data, para cadastrar as terras no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, especificando as áreas destinadas tanto à produção como à conservação ambiental.
A falta de regularização ambiental pode levar-nos a perder competitividade em mercados e, pior, fará o País continuar convivendo com a ilegalidade e a insegurança jurídica. Não há, por exemplo, como o setor produtivo garantir a origem dos produtos do campo sem a regularização ambiental. Portanto, a regulamentação da lei florestal brasileira e a implementação do CAR une o agronegócio, proprietários rurais, poder público e ambientalistas na construção de uma agenda positiva sustentável e comum.
Assim como o CAR, o projeto de lei que institui o pagamento por serviços ambientais (PSA) no País é outro ponto de convergência e consenso entre ambientalistas, ruralistas, comunidade cientifica, órgãos gestores de meio ambiente e agricultura. Infelizmente, está demorando muito para ser aprovado no Congresso Nacional.
O PSA cria oportunidades e pode gerar renda para os proprietários rurais, em razão do importante papel que cumprem em prol da sociedade na preservação da água e da biodiversidade, com a conservação das áreas de preservação permanente, das zonas de recarga de aquíferos e das reservas particulares do patrimônio natural. Assim, a manutenção de áreas preservadas, muitas vezes encarada como prejuízo, torna-se também uma atividade rentável.
Fruto de inúmeras audiências e discussões públicas, o PSA é uma iniciativa bem-sucedida em diversos países. No Brasil temos pequenos exemplos de iniciativas regionais e de legislações estaduais e municipais, como fizeram os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro de forma pioneira, servindo de referência para avanços na agenda positiva sustentável. Destaque também para o município de Extrema (MG), que desenvolve um projeto de PSA que recompensa produtores rurais pela proteção e restauração de áreas de mananciais estratégicas para o abastecimento hídrico de grandes centros urbanos – ali estão, por exemplo, nascentes de diversos riachos que alimentam o Rio Jaguari, pivô da recente disputa por água entre São Paulo e Rio.
Premiada no Brasil e internacionalmente, a expectativa era de que a experiência de Extrema se multiplicasse pelo País, mas ainda é pequena a quantidade de programas que pagam ao produtor rural pela prestação de serviços ambientais. É preciso avançar na legislação que estabelece mecanismos positivos e valorização para quem preserva. Bons instrumentos como o PSA precisam sair das gavetas para modernizar a legislação, com um marco regulatório que estimule práticas e negócios sustentáveis. Chega de só castigar quem erra, é hora de premiar quem faz certo.
Existe grande divergência nos números sobre as áreas existentes para a expansão da agricultura – áreas improdutivas e degradadas em pastos e campos abandonados – e sobre o que é protegido em unidades de conservação no País. Mas em todos os casos há consenso de que, com investimento tecnológico, ciência, planejamento integrado, respeito à legislação e políticas públicas positivas de incentivo a práticas sustentáveis, o Brasil pode avançar muito com o crescimento das safras associadas à proteção da biodiversidade.
Com o desenvolvimento de novos processos e tecnologia é possível incorporar a sustentabilidade ao ambiente do agronegócio de forma estratégica, abrindo caminho para que se estabeleçam novos padrões de produção rural.
O poder público tem papel preponderante na implementação de instrumentos de gestão, proteção e regulação do acesso de setores produtivos aos recursos naturais essenciais, como a água e a biodiversidade. Entretanto, só o conhecimento profundo dos biomas garantirá a tomada de decisões cientificamente corretas e socialmente justas sobre a forma de usar nosso vasto patrimônio natural.
Até o momento, apenas o bioma Mata Atlântica conta com a proteção de uma lei específica, que começa a sair do papel por meio de regulamentos e instrumentos como os Planos Municipais da Mata Atlântica, ainda de forma tímida e sem incentivos.
Temos vários pactos globais lançados pela ONU para aperfeiçoar a responsabilidade ambiental na produção e na cadeia alimentícia, para mitigar as mudanças do clima, para enfrentamento da crise da água e da crescente demanda energética. Mas para que possamos avançar concretamente e de forma positiva no País precisamos fortalecer os pontos comuns da nossa agenda local.
A implementação do CAR e a aprovação do PSA são os primeiros pontos desta convocação que fazemos ao agronegócio e ao movimento ambientalista para construir uma agenda positiva sustentável para o Brasil.
*Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e foi ministro da Agricultura no primeiro mandato do governo Lula; Pedro Luiz Passos é presidente da Fundação SOS Mata Atlântica e cofundador da Natura