Dezenas de emendas procuram “blindar” setor de agronegócio
No fim de junho, o governo encaminhou um projeto de lei ao Congresso, em regime de urgência, com a intenção de regulamentar o acesso a recursos genéticos no país e instituir um sistema de cobrança de royalties como compensação pelo uso da biodiversidade nacional. A iniciativa do Planalto visa adequar o país ao Protocolo de Nagoya, acordo internacional assinado por 92 países, incluindo o Brasil.
Pela proposta, costurada sob forte influência do Ministério do Meio Ambiente, empresas passarão a pagar ao governo federal 1% da receita líquida obtida com produtos oriundos do uso de recursos genéticos – um novo cosmético com semente de carnaúba, por exemplo. O PL prevê que esses royalties alimentem o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, cuja criação também prevê.
Ao apresentar o projeto de lei, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que o alvo das novas regras são pesquisadores e indústrias de fármacos, químicos e cosméticos – as que mais se queixam de multas e da burocracia no processo de autorização de pesquisas com recursos genéticos -, e não os setores agropecuário e de alimentos. Mas o projeto mal começou a tramitar na Câmara e gerou reações contrárias por parte do Ministério da Agricultura, de parlamentares ruralistas e de entidades do agronegócio.
Eles alegam que o texto não exclui totalmente o agronegócio do pagamento de royalties, como prometido. Assim, afirmam, se o PL for aprovado como está redigido, parte das empresas agropecuárias seria, sim, obrigada a repartir benefícios com o governo e com proprietários das áreas de exploração dos recursos, incluindo comunidades indígenas e quilombolas.
O projeto não cita especificamente grãos, frutas ou sementes, nem define listas de produtos sujeitos ao pagamento de royalties. Limita-se a afirmar que as diretrizes que traça não se aplicam “às atividades de acesso a patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado para alimentação e agropecuária”.
“O governo tirou a agricultura com finalidade de alimentação do escopo do projeto. Mas produtos não destinados à alimentação, como fibras [algodão, por exemplo], biocombustíveis e micro-organismos acabaram ficando”, disse ao Valor a coordenadora de Acompanhamento e Promoção da Tecnologia Agropecuária do Ministério da Agricultura, Andressa Beig.
“É por isso que o setor agropecuário, em conjunto com o ministério, sugeriu aos deputados emendas ao projeto para que seja excluída a agropecuária em geral e fiquem apenas as indústrias de fármaco e cosméticos”, afirmou ela.
Nesse sentido, apenas a bancada ruralista na Câmara apresentou 79 emendas ao texto do PL. “O Ministério do Meio Ambiente fez o seu projeto de lei para debater apenas a biodiversidade, sem discutir com a gente detalhes que também interessam ao setor agrícola”, diz o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), que esteve em Roma na última reunião da FAO, braço da ONU para agricultura e alimentação, sobre o tema.
Conforme Leitão, a Embrapa, por exemplo, deveria ter sido incluída no projeto entre os órgãos de governo que vão definir a lista de produtos submetidos à nova lei. Pela proposta apenas os ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento (MDIC) e da Ciência e Tecnologia terão essa tarefa.
Entre as 15 emendas que apresentou, o deputado tucano também propôs que insumos como sementes, defensivos, fertilizantes e rações animais permaneçam isentos do pagamento de royalties caso contenham recursos genéticos em suas respectivas formulações.
Um dos órgãos de governo mais preocupados com o PL é a própria Embrapa, que responde, hoje, por 59% das autorizações para pesquisa científica no Brasil. Contudo, uma fonte da estatal afirma que o melhor caminho encontrado pelo governo para isentar a pesquisa agropecuária do pagamento de royalties foi desistir desse projeto e debater em um novo PL, com regras específicas para o setor de agronegócios.
Outra polêmica que resultou em dezenas de emendas na Câmara para alterar o texto do Executivo é o artigo que mantém agropecuária e alimentos submetidos à atual lei sobre patrimônio genético e biodiversidade, de 2001. É consenso no setor rural que essa lei é burocrática – é preciso obter três autorizações do governo para acesso a recursos genéticos, o que pode demorar até oito anos – e inviabiliza pesquisas comerciais, como reforça Rodrigo Justus, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Segundo ruralistas, sob as regras da lei atual o setor também não poderá se beneficiar de pontos positivos do PL que tramita no Congresso, como o direito à anistia de multas. A proposta prevê anistia de 100% para multas já aplicadas envolvendo pesquisas com recursos naturais e de até 90% para as multas envolvendo empresas que venderam produtos oriundos desses recursos. E substitui as atuais autorizações para essas pesquisas por um cadastro para controle de pesquisadores e empresas.
O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, minimiza as polêmicas. “Não é nossa intenção tratar de agricultura e alimentos”, resume. Segundo ele, o fórum adequado para a discussão sobre como serão repartidos os benefícios pelo uso de patrimônio genético pela agricultura é o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Agricultura e Alimentação (Tirfaa), da FAO.
(Valor Econômico – 31/7/14
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