A presidente da Argentina pretende facilitar a importação de tomates do Brasil. Produtores locais, naturalmente, contestaram a iniciativa de Cristina Kirchner. Mas ela não pode ser vista isoladamente.
O governo argentino promove uma intervenção forte na comercialização de produtos agrícolas, causando distorções no mercado regional. Um total de 194 produtos da cesta básica são monitorados nas redes de supermercado argentinas.
Desde 2006, o governo limita as exportações de trigo para o Brasil, de modo que os Estados Unidos passaram a ser o nosso principal fornecedor. Mais recentemente, também o Uruguai passou a exportar o produto para o país.
Esse é mais um episódio na conturbada relação comercial entre os países do Mercosul. Curiosamente, envolve o tomate, o vilão da inflação no Brasil em 2013 e colaborador dos portenhos em 2014.
É até compreensível que, por questões de natureza cambial e perda de reservas, o governo argentino tome iniciativas para equilibrar a relação entre importações e exportações na balança do comércio.
O que não é compreensível é a perda de mercado por exportadores brasileiros para outros produtores internacionais com bases injustas de competitividade.
A situação argentina –marcada pela volatilidade de sua moeda e a duplicidade da taxa de câmbio com a depreciação do peso argentino –vem requerendo que os dois maiores protagonistas do Mercosul busquem o equacionamento de suas diferenças devido às desigualdades entre os seus parques industriais.
Na esfera privada, com raras exceções, grandes empresários argentinos jogaram a toalha! Esperam mudança nas políticas governamentais para voltar a investir.
No entanto, não podemos ser responsabilizados pela perda de competitividade da Argentina. O Brasil, a despeito das dificuldades, deve continuar buscando o diálogo, não por vocação, mas por necessidade.
O embaixador Saraiva Guerreiro, em seu livro “Lembranças de um Empregado do Itamaraty”, relata que a primeira visita de um presidente brasileiro à Argentina foi a de Campos Salles, em 1900. A segunda visita, 35 anos depois, foi de Getulio Vargas. Passou 15 dias em Buenos Aires, hospedado na residência de um estancieiro que hoje hospeda a nossa belíssima embaixada. Foram necessários mais de 45 anos para uma nova visita oficial – de João Baptista Figueiredo.
Esse distanciamento não geográfico talvez explique, entre outras, as dificuldades entre nossos países. Durante muitos anos, fomos tratados pelos vizinhos com alguma superioridade. Essa situação se alterou. Hoje somos respeitados, e não resta amargura –afora no futebol, naturalmente. Mas o turismo bilateral, por exemplo, é bastante expressivo. Não é de se ignorar, todavia, que o nascimento do Mercosul tenha sido essencialmente um gesto de aproximação entre os dois países.
Esperemos que, com o tempo, nossas diferenças diminuam e que um acordo do Mercosul com a União Europeia seja um novo marco nesse relacionamento político. Vamos continuar a enviar tomates para a Argentina, esperando que eles não nos mandem plantar batatas!
ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA, 79, economista, foi o primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e um dos fundadores do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais)
* Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo – edição 30/20/2014 – Coluna: Opinião