Com importações recordes, queda nos preços e produtores deixando a atividade, o setor lácteo brasileiro enfrenta uma das crises mais severas das últimas décadas. A entrada de leite subsidiado da Argentina e do Uruguai tem comprometido a rentabilidade e ameaçado a sobrevivência de milhares de famílias rurais.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR), afirmou que a defesa do produtor de leite é pauta prioritária da bancada. “Nosso papel é pressionar o governo, defender o produtor e garantir igualdade de condições. A bancada do agro está mobilizada e unida para fortalecer a cadeia do leite, do pequeno ao grande produtor”, declarou.

Diante do agravamento da crise, o deputado Valdir Cobalchini (MDB-SC) solicitou a realização de uma audiência pública na Comissão de Agricultura, Abastecimento e Pecuária da Câmara dos Deputados, realizada nesta terça-feira (4). O debate tratou de soluções emergenciais e de longo prazo, como a aplicação de medidas antidumping, a revisão das regras de importação e a criação de um contrato futuro de leite para dar previsibilidade e estabilidade ao produtor.
Cobalchini destacou que a situação ameaça a segurança alimentar e a economia rural. “Hoje, em Santa Catarina, o produtor recebe menos de R$ 2 por litro, enquanto o custo médio de produção chega a R$ 2,40. Isso é inviável”, afirmou. O parlamentar defendeu ações imediatas, como a suspensão temporária das importações do Mercosul, auditorias sanitárias, compras públicas via Conab e ampliação do crédito subsidiado.
Defesa do antidumping e proteção ao produtor nacional
A deputada Ana Paula Leão (PP-MG), presidente da Frente Parlamentar em Apoio ao Produtor de Leite, cobrou do governo a revisão da decisão que negou medidas antidumping ao leite do Mercosul. Segundo ela, o país importou 1,6 bilhão de litros até setembro, alta de 28% em apenas um mês. “Enquanto o leite de fora chega barato, o nacional é desvalorizado. Quando o produtor brasileiro quebrar, o importado vai chegar caro e quem vai sentir será o consumidor”, alertou.
Para o deputado General Girão (PL-RN), o leite tem papel essencial na alimentação humana e exige políticas de capacitação e acesso à tecnologia, especialmente para os produtores do semiárido. “O que pudermos fazer para melhorar a capacidade de produção e informação, especialmente nas regiões de clima adverso, precisa ser feito”, afirmou.
Por sua vez, o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), presidente da Comissão de Agricultura da Casa, lembrou que a pecuária leiteira está presente em todos os municípios brasileiros e defendeu políticas públicas que fortaleçam a cadeia produtiva. “É papel dessa comissão trabalhar para valorizar o produtor e contrapor as falhas das políticas do governo federal”, ressaltou.

Já o deputado Jorge Goetten (PL-SC) chamou a atenção para a responsabilidade das indústrias e cooperativas na crise. “As mesmas empresas que recebem o leite o ano todo são, muitas vezes, as que mais sacrificam o produtor. É preciso empatia e corresponsabilidade nesse momento de dificuldade”, concluiu.

CNA cobra revisão de parecer e defende contrato futuro
O assessor técnico da CNA, Guilherme Dias, apresentou dados que apontam prática de dumping nas importações de leite em pó da Argentina e do Uruguai, com preços até 53% inferiores aos praticados em seus mercados de origem. Segundo ele, a decisão preliminar do governo retirou dos produtores o acesso a ferramentas de defesa comercial. “O antidumping é o único instrumento capaz de reduzir, no curto prazo, os impactos das importações sobre o mercado interno”, afirmou.
Dias também defendeu a criação de um contrato futuro de leite na B3, que permitiria aos produtores negociar preços com antecedência e reduzir riscos. Ele informou que a CNA articula com universidades e instituições financeiras o desenvolvimento de um indicador de referência para operacionalizar a proposta.
MAPA e Embrapa apresentam medidas e propostas
O coordenador-geral do MAPA, Elvison Nunes Ramos, reconheceu a gravidade da situação e informou que o governo alterou o decreto do Programa Mais Leite para restringir as importações por laticínios e cooperativas. “Quase 98% dos produtores brasileiros produzem menos de 500 litros por dia. Esse é um segmento prioritário para o Ministério”, afirmou.
Já o chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, José Luiz Bellini Leite, propôs a criação de um fundo nacional do leite, financiado pela taxação das importações, para investir em pesquisa, capacitação e assistência técnica. “Com um fundo gerido pela iniciativa privada, Embrapa e parceiros, poderíamos estruturar um programa contínuo de desenvolvimento. Só assim deixaremos de discutir crise a cada dois anos”, defendeu.
Produtores pedem medidas estruturais
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo de Carvalho Borges, afirmou que o país precisa ir além de ações emergenciais e construir uma estrutura permanente de competitividade. Segundo ele, 99% dos municípios brasileiros produzem leite, mas o número de indústrias de processamento tem diminuído, comprometendo a sustentabilidade da cadeia. “Não dá mais para conviver com esse ciclo de crise em ano ímpar e estabilidade em ano par. Precisamos de uma estrutura sólida para garantir dignidade a pequenos, médios e grandes produtores”, reforçou.
Borges destacou ainda a importância da articulação entre o Congresso, o governo e os municípios. “A audiência mostrou o engajamento dos parlamentares, mas precisamos de ações efetivas. É hora de evoluir na estruturação da cadeia produtiva do leite brasileiro”, concluiu.



