O debate sobre a Medida Provisória 1.303/2025, do Poder Executivo, que estabelece novas regras de tributação sobre aplicações financeiras, incluindo títulos usados no financiamento do agronegócio e ativos virtuais, mobilizou especialistas e integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), nesta quarta-feira (3), durante audiência pública da comissão mista no Senado Federal.
O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), destacou que, embora o governo queira aumentar a arrecadação e equilibrar as contas públicas, a MP 1.303 representa retrocessos significativos para o sistema de financiamento do agro. “Não se trata apenas de instrumentos como LCAs, CRAs e Fiagros. Estamos diante de uma ameaça concreta a todo o sistema construído ao longo de décadas”, alertou.
Lupion ressaltou que os recursos subsidiados do Plano Safra representam menos de 20% do financiamento da produção agrícola nacional, enquanto os mecanismos privados sustentam a maior parte da produção. “O agronegócio responde por mais de 30% do PIB, gera cerca de 80% dos empregos e tem grande participação na balança comercial. Mesmo diante de desafios, o setor continua puxando o crescimento do país”, afirmou.
O deputado reforçou a importância das LCAs e do Fiagros. “Fragilizar esses instrumentos seria desestruturar completamente a base de crédito do campo. Precisamos de segurança jurídica, crédito sólido e condições adequadas de investimento”, disse.
Para o vice-presidente da FPA e relator dos projetos de lei dos Fiagros e das debêntures na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), o ponto central é a previsibilidade. “Não se pode mudar as regras do jogo no meio do caminho. Investidores precisam de estabilidade, e a MP quebra essa confiança, prejudicando o Brasil”, afirmou.
Jardim destacou que, enquanto há 40 anos o financiamento agrícola dependia quase exclusivamente do Tesouro Nacional, hoje 97% do crédito vem da iniciativa privada. “Letras de crédito e fundos são essenciais para sustentar a produção agrícola. Comparar FIAGRO com outros fundos é incorreto; o certo é avaliar os subsídios concedidos pelos países da OCDE. Nesse aspecto, o Brasil é o que menos subsidia sua agricultura”, completou.
A senadora Tereza Cristina, vice-presidente da FPA no Senado, também reforçou a necessidade de preservar instrumentos que funcionam. “Hoje, o Plano Safra financia menos de 30% da produção; o restante vem do mercado. Quanto mais instrumentos tivermos — essa ‘sopa de letras’ de títulos e mecanismos — melhor para fortalecer o setor produtivo”, afirmou.
A ex-ministra destacou ainda a importância do avanço em seguro rural e infraestrutura. “Nos Estados Unidos, vimos que a competitividade depende de investimento em armazenagem, logística e portos. Esse é um gargalo central da nossa produção”, explicou.
Crédito rural no Brasil
Durante o debate na comissão, Octaciano Neto, ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo, apresentou um panorama histórico do crédito rural no país. Segundo ele, o financiamento evoluiu da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, em 1937, até o atual modelo de mercado de capitais. “O crédito rural deixou de ser a música de Fernando e Sorocaba, ‘Bala de Prata’, para virar a ‘Colcha de Retalhos’ de Chitãozinho e Xororó. Hoje, o financiamento é costurado pedaço a pedaço, com papéis diferentes sustentando o agro brasileiro”, afirmou.
Neto reforçou que LCAs, CRAs e Fiagros são instrumentos estruturantes do setor. A tributação prevista pela MP 1.303 pode reduzir sua atratividade e impactar investimentos. Estudo da Tendências Consultoria estima que a medida poderia gerar R$ 7,3 bilhões em arrecadação adicional até 2028, mesmo com queda de 20% nas novas emissões.
“O peso dos subsídios no Brasil é muito menor do que em outros países. O produtor brasileiro recebe, em média, um quarto do que recebem agricultores na OCDE. Na União Europeia, o apoio público chega a quase 30%, e no Japão, a mais de 50% da produção”, disse.
Para Neto, o principal desafio estrutural do setor é a alta taxa de juros. “O problema não é o gasto público com o agro, e sim o custo do dinheiro. Enquanto a Selic se mantiver elevada, o agronegócio brasileiro continuará em desvantagem frente a concorrentes internacionais”, concluiu.
Igor Souza, da APET (Associação Paulista de Estudos Tributários), destacou que o setor agropecuário é um dos que mais demandam crédito e que não é possível depender exclusivamente de financiamentos públicos. “Tributar instrumentos como CRAs, LCAs e Fiagros pode gerar fuga de capital, prejudicando o Brasil e beneficiando outros países”, alertou.
O especialista reforçou a necessidade de regras claras e segurança jurídica. “Investimentos de mercado de capitais são de longo prazo. Alterar políticas públicas de forma repentina prejudica tanto o setor quanto os investidores. Precisamos de alternativas que fortaleçam o agronegócio sem reduzir a atratividade do crédito privado”, concluiu.