*Fernando Reinach
A revolução no movimento ambientalista começou com uma explosão. Em 18 de maio de 1980, o Mount St. Helens, um vulcão adormecido no meio de uma das florestas mais antigas dos Estados Unidos, explodiu. Mais de 600 quilômetros quadrados de floresta desapareceram. A área ficou coberta por 30 centímetros de cinzas. Nos últimos 17 anos, ecologistas estão acompanhando a colonização dessa área por plantas e animais, e o que descobriram pode mudar nossa maneira de cuidar das florestas.
Durante centenas de milhões de anos, ninguém cuidou das florestas. Aliás, nem existíamos. As florestas eram cobertas por glaciais e desapareciam, depois reapareciam. O mar subiu, submergiram, o mar baixou reapareceram, foram queimadas, regeneraram. De um jeito ou de outro, elas se mantiveram exuberantes. Então, nos últimos milênios, nossa espécie se espalhou pelo planeta. Nos últimos 300 anos, coletando lenha para nossas fogueiras, e abrindo áreas para a agricultura, reduzimos de tal maneira as florestas que ficou aparente que se nada fosse feito elas acabariam. Foi assim que por volta da metade do século XX surgiu o movimento ambientalista com o objetivo de preservar o meio ambiente e, claro, as florestas.
Um pouco devido à sua origem fora da comunidade científica, um pouco por culpa dos cientistas que no inicio não se envolveram, em vez de defender a ideia de deixar as florestas em paz, o movimento passou a defender sua imutabilidade. Esse modo de pensar se cristalizou por volta de 1990 com normas estritas de manejo das florestas, tanto nos EUA quanto no Brasil. Nos EUA, a radicalização foi total. A retirada de madeira, mesmo planejada, foi proibida e até os incêndios naturais foram banidos, com brigadas de incêndio e sistemas de monitoramento. De certa maneira, essa forma de pensar tentava tornar estático um ambiente normalmente dinâmico, onde as mudanças, apesar de lentas (muito mais lentas que a destruição predadora do homem) acontecem constantemente. Novamente, a arrogância do Homo sapiens, tentando controlar a natureza.
Os problemas começaram. A contenção de queimadas naturais fez com que a camada de folhas mortas aumentasse, e quando as queimadas aconteciam eram incontroláveis. Esses incêndios florestais passaram a matar árvores que normalmente sobrevivem às queimadas frequentes e fracas, que ocorrem quando a quantidade de matéria morta no solo é menor. Queimadas fazem parte da vida de uma floresta saudável. Outros resultados dessa natureza mostraram que a boa intenção humana ainda é menos sábia que a autorregulação dos ecossistemas.
Mas a grande surpresa foram os 18 anos de regeneração observados ao redor do Mount St. Helens. Sementes soterradas germinaram e perfuraram a camada de cinzas. Uma vegetação rica e diversa atraiu novas espécies de insetos e mamíferos. As árvores começaram a voltar. O que impressionou os ecologistas é que a biodiversidade dessa floresta jovem é muito maior que a encontrada nas florestas com mais de 180 anos na vizinhança. Aos poucos, os ecologistas estão concluindo que esse novo estado da floresta, um verdadeiro rejuvenescimento, é indispensável para a manutenção de uma floresta diversa, rica e sadia. Fogos, erupções vulcânicas, alagamentos e morte parecem não somente fazer parte da vida da floresta, mas são necessários para sua saúde. Tentar manter intocado e imutável um ecossistema é o mesmo que sufocar sua vitalidade. Conservar não pode ser mais sinônimo de imutabilidade.
A verdade é que a presença da nossa espécie na Terra é curta quando comparada com a idade desse ecossistema chamado floresta, e a vida de cada um de nós é um nada nesses centenas de milhões de anos. Nós sabemos dizimar a floresta, e precisamos ter cuidado, mas também devemos lembrar que as florestas viram os dinossauros aparecer e sumir. E estão aí. Manejar uma floresta é uma atividade tão pretensiosa que só pode ser ideia dessa espécie arrogante à qual pertencemos. Se conseguirmos exterminar a floresta desapareceremos junto. Milênios depois as florestas estarão de volta enquanto nós estaremos conversando no céu com dinossauros.
MAIS INFORMAÇÕES: AGAINST THE GRAIN. SCIENCE. VOL. 358 PÁG. 24 2017
*É BIÓLOGO
** Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo, no dia 14 de outubro de 2017