Polêmico no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o tema da venda de terras no Brasil por empresas estrangeiras, que hoje sofre grandes restrições legais, volta à pauta do Congresso Nacional com uma emenda do deputado ruralista Marcos Montes (PSD-MG), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), permitindo que as multinacionais tenham esse direito amplamente liberado.
A retomada do assunto promete esquentar o debate com o governo, que pelo menos nos últimos anos vem sendo contrário a essa permissão com o argumento de que ela fere a soberania nacional e incentiva exploração indevida da Amazônia.
Cinco anos depois de a Advocacia-Geral da União (AGU) editar um parecer reforçando as restrições a essas compras de imóveis rurais, assinado inclusive por Lula, Montes propôs agora uma emenda “jabuti” à Medida Provisória 675 que na prática garante a toda empresa brasileira com maioria de capital estrangeiro – multinacionais com atuação no país – a possibilidade de adquirir ou arrendar propriedades em solo brasileiro. A MP trata de aumento do tributo CSLL sobre instituições financeiras.
A proposta de Montes, entretanto, não inclui estatais ou companhias cujo controle acionário pertença a fundos soberanos de países estrangeiros, algo que afeta investimentos da China e dos Emirados Árabes Unidos.
Caso seja aprovada a emenda, essas companhias em especial continuariam submetidas à Lei 5.709, de 1971, segundo a qual empresas estrangeiras autorizadas a operar no país só podem ser proprietárias de até 100 Módulos de Exploração Indefinida – medida que varia entre 5 e 70 hectares a depender de cada região brasileira – e ocupar juntas no máximo 25% de qualquer município brasileiro, por exemplo.
“A emenda revoga a decisão da AGU, de 2010, que na prática proíbe a compra de terras por empresas internacionais, mas sabemos por outro lado que antes disso havia interesse de vários grupos empresariais da China, Alemanha e outros países, que hoje estão estagnados”, disse Montes ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor. “No meu entendimento, não é que o governo seja contra, na verdade ele se preocupa com a soberania nacional, porém se queremos atrair mais investimentos externos ao Brasil, ‘cercar’ grupos estrangeiros, vedando compra de terras, é dar um tiro no pé”, acrescenta.
Segundo o Incra, existem 60 pedidos de aquisição ou arrendamento de propriedades por estrangeiros, número considerado pequeno pelo próprio órgão.
Na justificativa de sua emenda, entretanto, o deputado ruralista argumenta que esses investimentos estrangeiros precisam ser direcionados a atividades produtivas e não especulativas.
Mesmo que a emenda seja rejeitada – ela precisa passar por uma comissão especial e pelos plenários de Câmara e Senado -, Montes e a bancada prometem pautar o assunto repetidas vezes, seja por meio de outras MPs ou de dezenas de projetos de lei sobre o assunto que tramitam no Legislativo. Para isso, contam com o apoio da ministra da Agricultura, Kátia Abreu.
Ela é favorável ao fim das amarras legais que, segundo o setor do agronegócio, vêm gerando insegurança jurídica e travando investimentos de companhias estrangeiras no país. Em jantar concedido pela FPA, um dia antes do lançamento do Plano Safra 2015/16, a ministra apoiou a ideia dos deputados e senadores presentes e prometeu envolvimento de sua Pasta para que essas aquisições sejam liberadas.
Para o advogado de Brasília, especialista em questões fundiárias, Rudy Ferraz, sócio do escritório Ferraz Advogados Associados, embora seguidos pareceres da AGU façam questão de distinguir as empresas brasileiras das empresas nacionais com controle acionário estrangeiro com relação à posse de propriedades no Brasil, a Constituição de 1988 não impede esse direito às companhias de outros países. “Hoje praticamente não se registram mais em cartórios áreas de empresas brasileiras com maioria de capital estrangeiro”, afirma Ferraz.
O presidente da Abrapa, associação que reúne os produtores brasileiros de algodão, João Carlos Jacobsen, um dos maiores entraves da atual lei é que ela desestimula financiamentos de produtores ou empresas do setor agropecuário a tomar financiamento junto a bancos estrangeiros ou tradings multinacionais como a ADM ou a Bunge, uma vez que estes não podem executar bens colocados em garantia, pois a legislação brasileira os proíbe de serem donos de terras.
Procurada a AGU respondeu apenas que irá se manifestará “no momento oportuno sobre qualquer alteração legislativa a respeito da matéria”.
Fonte: Valor Econômico