O agronegócio no Brasil cresceu e vem sustentando a balança comercial brasileira. Mas o setor ainda enfrenta sérias dificuldades. Uma delas é a falta de infraestrutura adequada para escoar a produção. Um exemplo pode ser visto no Vale do Araguaia, cujas precárias condições logísticas atrasam o desenvolvimento de uma região altamente promissora na produção de grãos e na pecuária.
A rota de escoamento do Vale do Araguaia atravessa o nordeste de Mato Grosso e o sul do Pará. Neste ano, essa região deverá colher aproximadamente 1,5 milhão de toneladas de grãos e, segundo estimativas, tem potencial para produzir até 18 milhões de toneladas por ano: 10 milhões no lado de Mato Grosso e 8 milhões na parte do Pará. A região conta também com 1,3 milhão de cabeças de gado. No entanto, conforme revelou reportagem do Estado, que percorreu de Água Boa (MT) até Marabá (PA) pelas Rodovias BR-155 e BR-158, a situação dessas estradas é um sério entrave para o seu desenvolvimento.
A região apresenta não apenas um grande potencial produtor, mas características que possibilitariam a almejada integração nacional: ter rodovia, ferrovia e hidrovia atuando juntas. Pela BR-158, é possível alcançar os trilhos da Ferrovia Norte-Sul, em Colinas (TO), permitindo levar a produção até o Porto do Itaqui, no Maranhão. Também seria viável a ligação com a (ainda não concluída) Hidrovia do Tocantins, em Marabá, transportando os grãos até o Porto de Vila do Conde (PA).
No entanto, há mais de 30 anos se espera a conclusão da BR-158. No trecho das rodovias percorrido pela reportagem do Estado, as condições são péssimas: mais de 200 km nunca foram pavimentados e mais de 250 km de asfalto estão em condições intransitáveis, especialmente entre Redenção e Eldorado dos Carajás (PA). Outro problema são as pontes. Entre Santana do Araguaia e Redenção (PA), filas de caminhões se formam para cruzar pontes de mão única enferrujadas, instaladas há mais de 30 anos pelo Exército e que se encontram em péssimo estado de conservação. Nessas condições, os acidentes são frequentes, com caminhões carregados de grãos sendo tragados pelo rio. Sinalização e acostamento ainda estão restritos a poucos trechos ao longo das rodovias. “A gente tem que guiar a 5 km/h por causa do perigo. É quando o bandido chega”, reclamou um caminhoneiro. Diante dessas condições, boa parte dos caminhoneiros prefere não correr esse risco e opta por utilizar os terminais de Santos (SP) e Paranaguá (PR), em viagens de 2 mil a 2,3 mil km.
A Confederação Nacional da Indústria estima que, com a conclusão das rodovias e a abertura da Hidrovia do Tocantins, haveria uma redução de R$ 788 milhões por ano no custo logístico da região a partir de 2020. Ainda que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) afirme reconhecer a importância da rota e garanta que as obras serão concluídas, a promessa é recebida com desconfiança. Produtor na região há 37 anos, Anísio Vilela Junqueira Neto descreve o motivo da sua falta de expectativa: “Quando cheguei aqui em 1977 ouvi que tudo seria asfaltado até 1980. Estou esperando até hoje”. E tudo indica que ainda vai demorar. Há um trecho da BR-158 cujo traçado final ainda nem foi definido. Atualmente, a estrada passa por uma reserva indígena e, por essa razão, o Dnit projetou um traçado final circundando-a. Mas recentemente a Fundação Nacional do Índio descobriu um cemitério de índios xavantes no trecho previsto e solicitou um novo contorno, ainda mais amplo, que provavelmente cortará áreas de floresta e fazendas. Como se vê, poder contar com uma estrada de qualidade é ainda uma realidade distante para a região.
O potencial de crescimento brasileiro não é uma hipótese teórica. Há muitas regiões promissoras, e o Vale do Araguaia é, sem dúvida, uma delas. Mas o descaso com a infraestrutura pode inviabilizar o seu pleno desenvolvimento. Urge uma nova atitude do governo, enfrentando antigos obstáculos para viabilizar novas oportunidades já presentes.
*Artigo publicado no Jornal Estado de São Paulo – Edição 22 de outubro de 2014