O fortalecimento do seguro rural e a criação de mecanismos permanentes de proteção ao produtor foram temas centrais da audiência pública realizada nesta quarta-feira (5) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal. O debate atendeu ao Requerimento nº 41/2025, de autoria da senadora Tereza Cristina (PP-MS), e tratou do PL 1.217/2025, que cria uma linha de crédito emergencial para produtores que não receberam a indenização do seguro rural após perdas causadas por secas, geadas e enchentes.
A proposta, apresentada pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e relatada por Wellington Fagundes (PL-MT), recebeu parecer favorável com emenda e busca oferecer crédito emergencial a produtores que tiveram negada a cobertura do seguro por razões técnicas ou contratuais.
Vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Senado, Tereza Cristina afirmou que o Brasil ainda “engatinha” na implementação de um modelo de seguro rural eficiente e defendeu mudanças estruturais urgentes.
“Na verdade, temos hoje um seguro de crédito, não um seguro de renda — que é o próximo passo que o produtor precisa. Sempre digo, inclusive em conversas com o ministro Haddad, que esse modelo é muito melhor para os bancos e cooperativas do que para o próprio produtor. Mas, para quem produz, representa tranquilidade e segurança”, disse a senadora.
Ela destacou o exemplo do Rio Grande do Sul, que enfrenta cinco anos consecutivos de perdas, e lamentou o esgotamento das linhas de crédito no estado. “Em muitos casos, o crédito acabou, e nem com dinheiro os bancos querem emprestar”, afirmou.
Durante a audiência, Tereza Cristina anunciou um avanço nas negociações orçamentárias:
“Trabalhamos para que a Comissão de Orçamento aceitasse incluir a rubrica do seguro rural e uma cláusula de não contingenciamento. Essa proposta foi acolhida pelo Colégio de Líderes, um avanço importante, porque não podemos repetir o que aconteceu este ano, quando os recursos foram bloqueados.”
A senadora comparou o modelo brasileiro ao dos Estados Unidos, onde o seguro rural é praticamente universal, sustentado por um fundo de US$ 60 bilhões.
“No Brasil, ainda estamos muito longe disso. Precisamos de uma cultura do seguro rural, com apólices mais transparentes e novas modalidades, como o seguro de renda e o paramétrico.”
Setor alerta para inadimplência e baixa cobertura
Representando a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Guilherme Augusto Costa Rios apresentou um diagnóstico sobre a inadimplência crescente no crédito rural e o baixo alcance do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). Segundo ele, os dados indicam uma deterioração inédita das condições financeiras do setor.
“Em setembro de 2025, a taxa de inadimplência do crédito rural com taxas livres atingiu 10%, o maior índice da série histórica desde 2011. Em setembro de 2024, era de 3,37%, e em janeiro de 2023, apenas 0,59%”, afirmou.
O assessor técnico explicou que “esse crescimento está diretamente ligado à falta de seguro rural e ao receio das instituições financeiras em conceder crédito, o que tornou o financiamento mais caro e restrito”. Segundo ele, a área coberta pelo PSR até o início de novembro é de apenas 2,19 milhões de hectares, o que deve tornar 2025 o pior ano desde 2007 em cobertura de seguro rural.
“Tivemos cerca de R$ 1 bilhão aprovado para o PSR, montante já inferior à necessidade do setor. Deste valor, 42% foram bloqueados ou contingenciados, impedindo que os recursos chegassem aos produtores. A safra de verão está praticamente desprotegida.”
Rios ressaltou que investir em seguro rural é mais eficiente e menos custoso do que socorrer o produtor após as perdas. Ele lembrou que a Medida Provisória nº 1.314 liberou R$ 12 bilhões para renegociação de dívidas, valor considerado insuficiente diante das perdas no Rio Grande do Sul, que ultrapassam R$ 20 bilhões.
“Temos priorizado ações paliativas em vez de preventivas. Se o governo tivesse ampliado em R$ 1 bilhão o PSR no ano passado e outro bilhão neste ano, não precisaríamos recorrer a medidas tão onerosas”, destacou.
O representante da CNA apontou como principais entraves os altos custos das apólices, a burocracia nas perícias e a pouca oferta de produtos nas regiões do Matopiba. Ele também defendeu a aprovação do PL 2.951/2025, de autoria da senadora Tereza Cristina, que cria o Fundo Catastrófico e blinda o orçamento do seguro rural.
“O crédito emergencial do PL 1.217 deve ser um último recurso, acionado apenas quando todas as demais ferramentas de mitigação falharem. Quanto mais o seguro e o crédito funcionarem bem, menor será a necessidade de subvenções diretas”, concluiu.
Necessidade de mudanças estruturais
Para Fabrício Rosa, diretor da Aprosoja Brasil, o PL 1.217/25 é uma “medida emergencial necessária”, mas não substitui as reformas estruturais do mercado de seguros:
“A Lei 15.040 exige boa-fé objetiva e cláusulas claras, com interpretação pró-segurado. Na prática, porém, abundam negativas com termos vagos — como ‘falta de manejo’ — e laudos divergentes. A linha deve ter juros subsidiados, carência mínima de 12 meses e prazo calibrado pela capacidade de pagamento. Precisamos de previsibilidade ao PSR, fundo de catástrofe e rito administrativo de renegociação para evitar engavetamento.”
Ele alertou que, sem seguro e com juros altos, a contratação de crédito do agro caiu 40% neste ano, e que no Rio Grande do Sul 33% das parcelas estão em atraso ou renegociadas.
“Ignorar médios e grandes produtores, que respondem por 82% do custeio, é tapar o sol com a peneira.”
“Agricultura está à beira do colapso”, diz Bagattoli
O senador Jaime Bagattoli (PL-RO), 2º vice-presidente da FPA, destacou a importância do fortalecimento do seguro rural e a sobrevivência dos produtores diante da alta inadimplência no campo.
“Precisamos salvar o nosso produtor rural. Isso não é questão de partido, é questão de sobrevivência. Sem seguro rural e sem seguro de renda, o futuro da agricultura no Brasil é de falência.”
O parlamentar lembrou que 75% da produção agrícola nacional vem de pequenos produtores, que carecem de instrumentos de proteção e financiamento.
“O pequeno produtor é quem sustenta a produção brasileira. Se não criarmos mecanismos para ajudá-lo, e o seguro rural continuar engatinhando, estaremos cavando o colapso da agricultura.”
“Crédito emergencial é medida de justiça”, afirma Mourão
Presidindo a sessão, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) classificou o PL 1.217/2025 como uma medida de “justiça emergencial e equilíbrio econômico” para um setor severamente afetado por eventos climáticos.
“Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma escalada sem precedentes de secas prolongadas, enchentes devastadoras e fenômenos como o El Niño, que afetam diretamente a base produtiva nacional. Muitos produtores cumpriram todas as exigências técnicas e contratuais, mas ficaram sem cobertura do seguro rural, sendo injustamente desassistidos.”
Mourão ressaltou que o crédito proposto “não é favor do Estado, mas instrumento de recomposição da capacidade produtiva e da renda agrícola”.
“Cada real investido nesse crédito retorna multiplicado em alimentos, exportações e estabilidade social. A agricultura não é o problema — é a solução para a recuperação econômica e moral de vastas regiões do Brasil.”
Autor do projeto defende reparação ao produtor
O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), autor do projeto, lembrou que a proposta surgiu após o veto presidencial ao PL 397/2024, que prorrogava dívidas de produtores afetados por desastres climáticos.
“Em 2024, apresentei o Projeto de Lei nº 397, que prorrogava as dívidas dos produtores rurais afetados por eventos climáticos. O Congresso aprovou o texto em regime de urgência, mas o presidente Lula vetou integralmente a proposta, que não concedia anistia a ninguém — apenas prorrogava as dívidas dos pequenos e médios produtores que tiveram prejuízos e não tinham condições de quitar seus compromissos.”
Segundo o parlamentar, a ideia do crédito emergencial surgiu como alternativa para ajudar produtores endividados e inadimplentes, especialmente os que tiveram indenizações negadas por critérios excessivos das seguradoras.
“As intempéries climáticas não são responsabilidade do produtor. Ninguém planta errado esperando perder a lavoura para receber seguro. O problema é que, muitas vezes, as seguradoras fazem de tudo para não pagar.”
Participação
A audiência contou com representantes da CNA, CNseg, Ministério da Agricultura, Superintendência de Seguros Privados (Susep), Ministério da Fazenda, Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e Aprosoja Brasil.



