A Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados (CAPADR) realizou, nesta terça-feira (14), audiência pública para discutir as exigências impostas por instituições financeiras no acesso ao crédito rural no país. O debate foi proposto pela deputada Coronel Fernanda (PL-MT) e reuniu representantes do governo, setor produtivo e do sistema financeiro.
O principal foco da discussão foram denúncias de práticas abusivas, como a “venda casada” de seguros e títulos de capitalização — oferecidos de forma condicionada à liberação de financiamentos agrícolas — e a exigência de garantias acima dos padrões normais de mercado.
“Produtores rurais de diferentes regiões do país têm relatado dificuldades para acessar o crédito. Muitos são pressionados a contratar produtos adicionais, sem saber que isso é ilegal”, destacou a coordenadora de Política de Abastecimento da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Coronel Fernanda afirmou ainda que “o crédito rural é uma política pública voltada ao desenvolvimento, não um instrumento de lucro para os bancos”.
No mesmo sentido, o deputado Pezenti (MDB-SC), coordenador de Meio Ambiente da FPA, reforçou a importância de discutir o tema. “É fundamental que assuntos como este sejam debatidos na Câmara, porque aqui estão de fato os verdadeiros representantes de quem está na base, sustentando o país. O maior Plano Safra da história foi anunciado, mas na ponta ainda enfrenta dificuldades para chegar,” disse.
“O agro precisa de crédito e condições adequadas para que a produção se mantenha e o desenvolvimento aconteça de fato”, reforçou Pezenti.
Durante o encontro, os participantes discutiram a transparência dos contratos de crédito rural, o cumprimento das regras do Código de Defesa do Consumidor e os impactos da Moratória da Soja sobre produtores que atuam dentro da legalidade ambiental.
Venda casada
O advogado Diogo Fernando Goulart, especialista em direito agrário e do agronegócio, reforçou que a prática da venda casada é uma coação que impede o produtor de ter acesso pleno ao crédito rural.
“Obrigar o produtor a contratar seguros ou títulos de capitalização para liberar financiamentos configura extorsão e prática abusiva, prejudicando especialmente agricultores familiares que dependem do crédito para manter a produção. O crédito rural é um direito e um instrumento de política pública, não um mecanismo de lucro dos bancos.”
Goulart também apontou que o alongamento de dívidas rurais, previsto em lei e em manuais de crédito, não é respeitado na prática, o que força os produtores a contrair novos empréstimos e aumentar o endividamento.
“O alongamento deveria ser o caminho natural para produtores que enfrentam frustração de safra. Muitas vezes, em vez disso, eles são obrigados a contratar novos créditos com mais garantias e produtos adicionais, o que eleva a dívida e compromete a sustentabilidade da produção,” disse.
Goulart reforçou ainda que “é essencial ter políticas de seguro agrícola efetivas e de longo prazo, que funcionem como instrumento de Estado, garantindo segurança para o produtor e evitando que frustrações de safra se transformem em dívidas impagáveis.”
O deputado Pedro Westphalen (PP-RS), que também integra a bancada, destacou a importância do debate e elogiou a iniciativa da deputada Coronel Fernanda. Segundo ele, o Parlamento cumpre seu papel ao trazer à tona temas que afetam diretamente o setor produtivo.
“Essa audiência é fundamental para esclarecer as dificuldades enfrentadas por quem sustenta o PIB positivo do Brasil. O setor primário tem sido penalizado por exigências e travas que não condizem com a realidade do campo. É papel desta Casa ouvir as partes e dar seguimento ao tema, para que o crédito chegue a quem produz”, afirmou Westphalen.
O parlamentar também mencionou que o Congresso tem atuado em projetos que melhoraram o ambiente de crédito, como o de securitização das dívidas rurais, já aprovado na Câmara, mas ainda pendente no Senado.
Moratória da Soja
Coronel Fernanda voltou a criticar o pacto comercial firmado entre empresas e ONGs, que impede a compra de soja oriunda de áreas desmatadas na Amazônia. Segundo ela, a medida — que deveria ter caráter temporário — acabou se tornando uma restrição permanente, o que dificulta o acesso ao crédito e pune produtores regulares.
“Não podemos permitir que acordos privados se sobreponham à legislação brasileira. O produtor que cumpre o Código Florestal tem direito a produzir e acessar os recursos. O crédito rural é instrumento de política agrícola, previsto na Constituição, e deve servir ao desenvolvimento sustentável”, enfatizou.
Crédito transparente
Os representantes do setor produtivo reforçaram a necessidade de maior fiscalização sobre as instituições financeiras e pediram simplificação nas garantias exigidas para pequenos e médios produtores. Já a Febraban, representante das instituições de crédito, defendeu que os bancos seguem as normas legais e que casos de irregularidades são exceções, comprometendo-se a apurar as denúncias.
A audiência também abordou a importância de assegurar liberdade de escolha e informação adequada aos produtores rurais, em conformidade com os artigos 6º e 39 do Código de Defesa do Consumidor.
Ao final da reunião, a comissão sinalizou a possibilidade de encaminhar recomendações ao Ministério da Agricultura e ao Banco Central para aprimorar os mecanismos de fiscalização e garantir que o crédito rural cumpra seu papel social e econômico.
“O produtor rural é o elo mais frágil dessa cadeia. Cabe a nós garantir que ele tenha acesso justo ao crédito e às informações necessárias para seguir produzindo com dignidade”, concluiu Coronel Fernanda.