O título desta coluna tem dois objetivos. O primeiro, óbvio, é o de criar polêmica, chamar a atenção e fazer com que o leitor chegue até aqui. O segundo é mostrar que mesmo uma frase verdadeira pode estar repleta de imprecisões. Quem se contentou com o título, como fazem 80% das pessoas, achará que o cara que escreve sobre Economia Verde enlouqueceu e está defendendo o desmatamento.
Não deixa de ser verdade. Mas não é toda a verdade. Os meus amigos ambientalistas, cada vez mais raros, sabem que não tenho nenhum apreço pelo slogan “Desmatamento Zero”, que virou bandeira de algumas ONGs. Ele funciona como frase de efeito, peça de marketing e fica bem nos cartazes. Mas não é viável. E, principalmente, não é inteligente. Contraria as noções mais básicas do bom senso.
O mesmo vale para esse bate-boca entre Dilma e Marina sobre quem desmatou menos ou quem cuidou mais das plantinhas. Nada mais é do que um novo movimento em direção à infantilização da campanha. Fulano é mauzinho e sicrana é boazinha. Uma se esqueceu de guardar os brinquedos e deixou o quarto bagunçado. A outra não fez todos os deveres de casa, nem comeu os legumes.
O fato é que o desmatamento na Amazônia caiu 79% nos últimos dez anos. Chegamos a desmatar 29 mil km² de floresta em 1995 e 27 mil km², em 2004. Hoje, estamos em 5.891 km². E isso não aconteceu porque Lula e Dilma são legais e estavam particularmente preocupados com o tema. Não estavam. Essa nem é a praia deles. É claro que eles também têm mérito, mas houve uma conjunção de fatores: pressão internacional, atuação do ministério público, mobilização de empresas, oportunidade política e até vergonha na cara. Não dava para continuar daquele jeito.
É fato também que o desmatamento cresceu 29% entre 2012 e 2013. Uns vão dizer que esse é um ponto fora da curva. Outros, que perdemos o controle. Mas é difícil acreditar que voltaremos a 2004. Estamos mais perto da meta de 3.900 km² do que dos 27 mil km². E foi mais fácil chegar até aqui do que será alcançar o objetivo proposto. O desafio agora envolve questões imobiliárias, pequenos proprietários e assentamentos de sem-terra. Precisamos de operações mais inteligentes do Ibama e da Polícia Federal e de ações sociais que encontrem alternativas para essas famílias.
Além disso, temos os desmatamentos necessários. E eles não se concentram apenas na Amazônia. Podem acontecer em Ipanema, por exemplo, onde um grupo de moradores tentou cancelar a obra do metrô para que as árvores da Praça Nossa Senhora da Paz fossem preservadas. A construção segue em frente. Algumas árvores foram derrubadas, outras transferidas ou replantadas. Ao final, se o combinado for cumprido, teremos mais mobilidade urbana e mais árvores do que antes.
Se o tal “Desmatamento Zero” estivesse implantado, com a força de uma lei ou de um acordo internacional, isso não seria possível. O futebol é rico em histórias de jogos memoráveis que terminaram 2 a 2 ou 3 a 3. Mas é raro alguém falar sobre a partida sensacional que ficou no 0 a 0. Tudo que é radical e absoluto tende a dar errado. Há alguns anos, o governo decidiu que não faria mais usinas hidrelétricas com grandes reservatórios. Todas seriam a fio d`água, usando a vazão do próprio rio.
Hoje, se algumas dessas usinas tivessem reservatórios, talvez os problemas de abastecimento e os riscos de racionamento fossem menores. Certas áreas da Amazônia, com floresta densa e mata nativa, não podem receber obras de infraestrutura. É um absurdo. O governante deveria ser preso só por pensar nisso. Mas em outras partes podem caber centrais elétricas pequenas, usinas a fio d`água e até reservatórios. Cada caso é um caso. Também não é possível condenar estados pobres como o Maranhão e o Piauí a um flagelo eterno. A sustentabilidade ambiental precisa vir acompanhada da econômica e da social. O Brasil é um país grande, abençoado, onde é possível investir em produção e preservação ao mesmo tempo.
Só o Código Florestal prevê o replantio de 20 milhões de hectares de florestas. A pecuária, que hoje ocupa 200 milhões de hectares, pode ser mais eficiente e liberar cerca de 60 milhões de hectares para a agricultura e para o plantio de florestas. A Amazônia possui 75 milhões de hectares de áreas já degradadas que podem seguir o mesmo caminho. Em lugar do desmatamento zero teríamos o desmatamento mínimo e o plantio máximo de florestas. Muda o placar. Sai o 0 a 0 chato e entra, quem sabe, um incontestável 7 a 1 a favor do desenvolvimento sustentável.
*Agostinho Vieira
Publicado no Jornal O Globo, na coluna “Economia Verde”, na edição de 25 de setembro de 2014