*Glauber Silveira
Muita gente não deve entender porque os produtores brasileiros ficam tão atentos à safra dos EUA. Mas esse privilégio ou tortura não é só nossa. Eles também ficam atentos a nossa, assim como os produtores Argentinos. Isto porque, dependendo da safra destes três principais produtores, o preço da soja pode subir ou cair. Uma simples questão de oferta e demanda: quanto mais soja, menor o preço e se tiver menos soja, o preço sobe.
Mas as pessoas comuns não se dão conta do quanto o preço da soja pode influenciar nossa vida de produtor, principalmente dos produtores Sul Americanos. Afinal, enquanto nos EUA os produtores têm um seguro de renda, no Brasil temos é falta de infraestrutura e na Argentina as retenciones consomem 40% do preço da soja.
Para se ter ideia, se a seca nos EUA continuar e o preço em Campos de Júlio-MT, minha cidade, sair de 20 dólares a saca para 22, são 10% de aumento. É como se um produtor que planta mil hectares colhesse cem hectares a mais sem custo nenhum. A mesma conta vale caso o preço caia para 19 dólares, ao contrário dos cem hectares que seriam sem custo, se a soja cair vamos precisar de mais soja para cobrir os custos.
A diferença é que o produtor dos EUA tem um seguro eficiente. Se o preço cair demais, o governo garante um mínimo de rentabilidade para ele. Esse mínimo varia de acordo com sua produtividade média dos últimos anos. E, é claro, se ele usa o seguro vários anos em função de quebras sucessivas de safras, sua média vai caindo e daí ele acaba recebendo menos.
No Brasil, estamos ainda mais dependentes do preço da soja, pois as variações tem uma influência muito grande em nossa rentabilidade. Com todas as deficiências de infraestrutura, a nossa margem é muito menor do que a de nossos concorrentes. Ou seja, temos que ser muito eficientes em produção. Trocando em miúdos, no Brasil, se um produtor colher mal por duas safras ele quebra, simples assim.
Além de todas estas complicações, em muitas regiões do Brasil os custos de produção estão em duas moedas, parte em dólar e parte em real. Os insumos agrícolas, geralmente têm seu preço dolarizado, enquanto os custos operacionais são em reais. Essa situação dificulta ainda mais acertar uma boa negociação. Agora, por exemplo, enquanto em virtude do câmbio o preço em real está razoável, em dólar ele está muito abaixo da safra anterior. E eu sei que não é fácil explicar isto para quem não é produtor.
Se olharmos para as cotações de soja em Chicago hoje, veremos que os contratos referência têm preços de 13 dólares por bushel, mas nessa mesma época no ano passado a soja estava em 16 dólares. Enquanto havia contratos futuros de até 55 reais por saca ano passado em Mato Grosso, nesse ano ficaram em 44 reais. Além disso, os custos totais fecharam em 47 reais por saca, segundo o último boletim do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
Com isso, a comercialização da soja da próxima safra não evoluiu como no ano passado. Enquanto, nessa mesma época em Mato Grosso 56% da safra seguinte já estava negociada, esse ano ainda não passou dos 30%. E isso é geral, os produtores de todo Brasil ficam aguardando que os preços subam mais para avançarem nas negociações. Mas começam a ficar pressionados com o avançar dos meses e a necessidade de caixa à medida que se aproxima a próxima safra.
Os produtores brasileiros são altamente competitivos dentro da porteira. Temos as maiores médias mundial de produção por área, sendo que chegamos a atingir 3,1 toneladas de soja por hectare, dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Isso tudo contra todas as apostas de parte do governo brasileiro que não para de demarcar terras indígenas em áreas produtivas. E não vamos esquecer do nosso sistema de registro de agrotóxicos falido, pragas e doenças, velha e novas, nos assombrando. Como a Ferrugem da Soja e a Helicoverpa, que permanecem sem produtos novos e eficientes registrados para seu controle.
Agora imaginem para onde iria nossa produtividade média se tivéssemos uma rentabilidade maior e pudéssemos investir em mais tecnologia, em irrigação, adubação etc. Se não estivéssemos perdendo 3,5 bilhões de dólares por ano com a falta de logística no Centro-Oeste e de capacidade dos portos. Se não estivéssemos preocupados por perdermos dois bilhões de dólares por ano para Ferrugem e agora mais dois para Helicoverpa. E se os produtores apenas reinvestissem esse dinheiro na atividade.
O Brasil será o maior produtor mundial de soja e um grande produtor de milho. Mas enquanto não tivermos a quantidade ideal de armazéns em nossas propriedades, enquanto não existir um modal de transporte adequado e competitivo com ferrovias, hidrovias e rodovias, o que reduziria o custo do frete de 30 a 40%, dependendo da região. Enquanto não tivermos portos ajustados a nossa produção. Enfim, continuaremos incorrendo no pecado de rezar e desejar que algo vá mal para nossos competidores, os produtores dos EUA e da Argentina.