O sentimento de mudança consagrado na opinião pública e a complexidade do quadro político e econômico contratada para 2015 oferecem ao Brasil e ao novo governo oportunidade ímpar. É hora – para o bem do País – de reconstruir o pacto nacional, de contornarmos a simplificação ideológica, de erigir uma visão de futuro comum a partir de convergências e racionalidades.
Tarefa nada fácil. Os brasileiros reclamam o direito de sonhar com um mundo melhor. Divididos não iremos a lugar nenhum. Aos vitoriosos no pleito de 26 de outubro o dever de superar a perspectiva de projeto de poder, de recompor a esperança na desacreditada democracia representativa. Difícil, mas não impossível, em especial se cada setor, cada agente de reflexão contribuir sincera e generosamente para o diálogo. E isso passa necessariamente pela construção de novos paradigmas.
O processo civilizatório e os valores universais são o canal natural por onde deve trafegar essa incumbência. Só uma sólida base de valores poderá produzir um norte único compartilhado, capaz de agregar os brasileiros em torno de um projeto comum de sociedade.
A agricultura apresenta-se naturalmente para esse diálogo. Com humildade, pré-requisito de quem busca a convergência. Mas também com a responsabilidade que emana do seu significado para a formação da riqueza, a inclusão social e o balanço ambiental do País. Cabe assumir a sustentabilidade enquanto norte de uma nova agenda nacional. E eliminar a incômoda dicotomia (indicadora de subdesenvolvimento) que tenta separar a agricultura tecnificada sustentável da não tecnificada.
A fim de repactuar o diálogo entre as demandas do campo e os mais legítimos anseios urbanos, propomos que o novo governo encaminhe ao Congresso Nacional uma PEC introduzindo a sustentabilidade como “missão de Estado”. O projeto brasileiro precisa ser norteado por conceitos e seus significados, hoje mitigados pela peleja política.
A sustentabilidade não é um critério que separa grandes e pequenos, ricos e pobres, capitalizados e excluídos. Sustentabilidade – na ótica consagrada pela ONU na Rio+20 – é um fundamento com três pilares interdependentes, de igual peso estrutural: o econômico, o social e o ambiental. Sustentabilidade não é conceito ou valor que tenha dono. Situá-la no espectro ideológico é destrutivo e desvirtua a qualidade do debate brasileiro. Sustentabilidade é mandato civilizatório, a ser exercido com inteligência, abrigando a dinâmica de processos.
Não se trata de medir tamanho, mas de aferir corretamente o grau de responsabilidade social, ambiental e de segurança econômica de cada ator. E de produzir políticas públicas que ao mesmo tempo estimulem a inclusão social e o aprimoramento do sistema.
Trata-se de pacto inadiável.
A ONU convoca o Brasil a produzir, nos próximos 20 anos, 40% da demanda suplementar de alimentos, fruto do aumento da renda, e da população mundial, que crescerá de 7 para 9 bilhões de habitantes, até 2050. E há outra agenda premente: o contingente de 800 milhões de seres humanos ainda hoje em estado de insegurança alimentar.
A História abre ao Brasil – dono de vocação diferenciada para a agricultura – uma janela generosa, de proporções inéditas. Diante dela se alinham as dimensões política e estratégica; e oportunidades científicas, profissionais, empresariais e sociais capazes de iluminar a trajetória de todo um povo.
Os especialistas debatem a construção de um “Indicador para a Agricultura Sustentável”, já que as ferramentas disponíveis não conseguem captar as transversalidades que irrigam a economia. Eles estimam que o peso real do setor na vida nacional já supera a marca de 25% do PIB convencional.
Reunidos em torno da parceria Fórum do Futuro, FGV-Agro, Embrapa e universidades voltadas para a agropecuária, os economistas lembram: a “agricultura é vida”. E lamentam a precariedade da imagem projetada da atividade sobre o ambiente urbano.
A agricultura é também um ativo histórico: comemora 514 anos de contribuição estruturante para o Brasil. Nesta nova era, em que os recursos naturais se transformam na nova moeda da economia mundial, é ainda um passaporte seguro na direção de uma sociedade melhor, mais inclusiva, mais sustentada.
É nosso papel acolher a agenda da opinião pública urbana brasileira e mundial: 1)Democracia alimentar – preço ao consumidor; 2)balanço ambiental da atividade; 3)dignidade social do processo de produção; 4) repercussão do alimento sobre a saúde. Cumprir essa pauta cidadã é uma empreitada colossal. Muitos ficarão surpresos ao descobrir que o Brasil já é um exemplo de agricultura sustentável. Hoje produzimos muito mais em espaços cada vez menores. A ciência e a tecnologia e a boa gestão no campo explicam a mágica.
Mas precisamos avançar. E isso exige compreender as demandas nas áreas de infraestrutura, da segurança jurídica; valorizar a ação dos centros de pesquisa, das universidades e da Embrapa, vital para instruir a qualidade do desenvolvimento a que todos aspiram.
Urge aproximar os jovens urbanos das áreas de tecnologia dos desafios da agricultura sustentável. Aferir a qualidade dos processos e exibir os dados cientificamente referenciados atrairão para esta proposta brasileiros de todas as orientações.
Produzir mais alimentos em espaços menores, aumentando a produtividade e intensificando a sustentabilidade, num contexto de aumento da demanda e escassez da oferta, espelha inegavelmente um dos mais portentosos desafios da História da humanidade.
O Brasil não se pode furtar aos compromissos com a segurança alimentar e com o planeta. Desde que movido por planejamento, gestão, capacidade científica e tecnológica, e por uma base de valores capaz de pacificar, de harmonizar de forma inteligente os brasileiros, seus sonhos e seu papel na cena internacional.
*Alysson Paolinelli e Roberto Rodrigues são ex-ministros da Agricultura e, respectivamente, presidente do Fórum do Futuro e coordenador da FGV-Agro
Artigo publicado no Jornal Estado de São Paulo