O Supremo Tribunal Federal deverá julgar, possivelmente em agosto, caso de extrema relevância, com profundos reflexos em nossa frágil economia. Trata-se de recurso extraordinário em ação civil pública, na qual será decidido, de uma vez por todas, o futuro do contrato de prestação de serviços conhecido como terceirização.
O problema remonta a outubro de 1986 quando o Tribunal Superior do Trabalho adotou a Súmula nº 256, declarou ilegal a utilização de empregados por empresa interposta, prática punida com o deslocamento do vínculo empregatício da prestadora para a tomadora de serviços.
Quando a Constituição, no art. 37, II, obrigou a se sujeitarem a concurso público candidatos a emprego em estatais e sociedades de economia mista, a parte final do enunciado tornou-se parcialmente inoperante, eis que ficou impossível transpor o vínculo na forma determinada. Viu-se, então, o TST compelido a rever a jurisprudência uniformizada, mas, sob pressão de fatos novos, eis que a terceirização se expandira e tomava de assalto setores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
Em dezembro de 1993, o tribunal adotou a Súmula nº 331, da qual fui um dos responsáveis. Ao trabalho temporário e de vigilância bancária, disciplinados, respectivamente, pelas leis nº 6.019/74 e nº 7.102/73, foram acrescidos serviços de limpeza e conservação e outros especializados “ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação direta”.
De pronto, dois aspectos do verbete provocaram polêmica: 1) a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quando órgão da administração pública direta, indireta e fundacional; 2) limitação à atividade-meio. Quanto ao primeiro, diante de decisões do Supremo, a Corte foi forçada a alterar a redação do inciso IV, como tentativa de sintonização com a Lei nº 8.666/93, que trata de licitações e contratos públicos. Afinal, a Justiça do Trabalho é incompetente para submetê-los a julgamento.
No tocante ao segundo, ao admitir o recurso extraordinário o ministro Luiz Fux vai ao cerne do problema. Para S. Exa., é “patente a repercussão geral do tema, diante da existência de milhares de contratos de terceirização de mão de obra em que subsistem dúvidas quanto a sua legalidade”.
Afinal, apesar de incontáveis julgamentos, persiste desafiador enigma: como distinguir, com indispensável segurança, atividade-meio de atividade-fim em qualquer sociedade? A resposta encontraremos no Código Civil, Livro II Do Direito de Empresa, art. 981: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Por outras palavras, toda organização econômica tem, como finalidade, a realização de lucro. Para consegui-lo, goza do direito de usar todos os recursos, entre os quais celebrar contrato de prestação de serviços, modalidade prevista pelo mesmo Código.
A Constituição assegura o direito de propriedade (art. 5º, XXII), determina a plena liberdade de associação (art. 5º, XVII), garante o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único). A CLT, por sua vez, define como empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos inerentes a qualquer atividade, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (art. 2º).
Ao exercer os direitos conferidos pela Lei Superior, a sociedade enfrenta riscos, tanto mais acentuados quando se convive com a instabilidade econômica e jurídica reinante entre nós. Leis existem, no sentido de reconhecer a terceirização. Nenhuma que a proíba. Privá-la da possibilidade de contratar serviços, criando-lhe empecilho metafísico, produto de abstrata divisão das atividades em meio e fim, viola garantias constitucionais, gera intranquilidade, incrementa a propositura de ações judiciais, entorpece a economia, eleva custos e destrói empregos.
A supressão da referência à atividade-meio no inciso III faria do Enunciado nº 331 a fórmula ideal de transição destinada a resolver o impasse em torno da terceirização, até que o Legislativo se manifeste. Existem bons projetos, mas nunca chegam ao plenário em virtude de barreiras erguidas por centrais sindicais, cuja preocupação exclusiva consiste no aumento de arrecadação da Contribuição Sindical.
Fonte: Correio Braziliense