Com um rombo em torno de US$ 100 bilhões anuais no comércio de manufaturados, o Brasil depende cada vez mais da exportação de produtos do agronegócio para evitar um desastre nas contas externas. Por isso é especialmente preocupante a perspectiva de preços agrícolas em queda nos próximos dois anos, apontada por um relatório conjunto de duas importantes entidades multilaterais, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A divulgação do relatório coincidiu com o anúncio, na sexta-feira, das novas estimativas de oferta e demanda de grãos e oleaginosas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para a safra 2014-2015, ainda em fim de plantio no país.
Cotações caíram imediatamente, na primeira reação dos mercados às novas informações. Mesmo com a correção de algum exagero, observada já na segunda-feira, as perspectivas continuam desfavoráveis aos produtores, como têm sido na maior parte deste ano.
Segundo as projeções da FAO e da OCDE, os preços dos produtos vegetais devem cair ainda por dois anos e em seguida se estabilizarão em níveis superiores aos de antes da crise de 2008. Já há algum tempo os mercados vêm-se acomodando, depois de alguns anos de cotações excepcionalmente altas. No caso das carnes, os preços devem continuar sustentados por uma demanda crescente.
Apesar da acomodação da maior parte das cotações nos próximos dois anos, ao longo da próxima década a evolução dos mercados deve ampliar as oportunidades para os produtores. A demanda global de cereais em 2023, pouco acima de 1,2 bilhão de toneladas, deve ser 150 milhões de toneladas maior que a do ano passado. Também de acordo com o relatório, deverá crescer o consumo de proteínas, óleos e açúcar, como consequência do crescimento da renda e da urbanização.
A produção global de cereais deverá aumentar 15% e a de oleaginosas, 26%. A agricultura será impulsionada tanto pela demanda de alimentos – em boa parte por causa da melhora de condições nos países em desenvolvimento – quanto pelo uso crescente de biocombustíveis. As oportunidades para o Brasil são evidentes. O agronegócio terá de fazer sua parte, cuidando de sua tecnologia. O governo precisará cuidar da infraestrutura, manter condições razoáveis de financiamento e, acima de tudo, resistir às pressões de seus parceiros – ideológicos ou meramente malandros – contra o sucesso empresarial no campo.
A curto e a médio prazos, no entanto, o País terá de enfrentar os problemas associados à deterioração dos preços internacionais. Até agora, o agronegócio conseguiu produzir um belo resultado comercial, apesar das condições externas. De janeiro a junho as exportações do setor, no valor de US$ 49,11 bilhões, corresponderam a 44,43% da receita do comércio de mercadorias.
O superávit do agronegócio, de US$ 40,78 bilhões, só compensou parcialmente o déficit dos manufaturados, de US$ 56 bilhões. Para uma comparação mais precisa, seria preciso separar desse valor uma pequena parcela de itens do agronegócio incluída na conta de manufaturados (açúcar refinado e etanol, por exemplo). De toda forma, o quadro geral é claro. O bom resultado conseguido com os produtos da agropecuária ocorreu apesar da queda de preços da soja em grão (4,2% em relação ao mesmo período de 2013), farelo (7,8%), óleo (17,4%), carne de frango (9,8%), açúcar (15,1%) e café (9,1%), para citar só os mais importantes.
Mas, além de se preocupar com as condições de produção e de comercialização da agropecuária (investindo em infraestrutura, por exemplo), o governo terá de se preocupar com a competitividade da maior parte da indústria. É ruim para a economia brasileira depender tanto quanto hoje do sucesso comercial da agropecuária e das indústrias ligadas ao setor. Mas a política industrial terá de ir muito além da escolha de campeões e do protecionismo dos últimos anos – políticas inequivocamente fracassadas. Fracassos maiores ainda ocorrerão, se o governo continuar incapaz de aprender com seus erros.