Para a patologista e geneticista de plantas Pamela Ronald, 54, a discussão que ronda alimentos geneticamente modificados é errada. Ela ajudou a criar uma variedade de arroz que é resistente a inundações e que tem uma produtividade três vezes maior que a usual.
A pesquisadora da Universidade da Califórnia em Davis esteve em São Paulo para uma palestra. Casada com um fazendeiro que produz alimentos orgânicos, ela diz que as pessoas apelam aos orgânicos por conta de um medo antigo e que não tem lógica.
Leia trechos da entrevista.
Folha – A primeira pergunta não é sobre ciência, mas relações públicas: os transgênicos ainda encontram resistência?
Pamela Ronald – O consenso científico mundial é que esses alimentos são seguros. A discussão pública fica presa em um conceito mal definido. “Organismo geneticamente modificado” [GMO, na sigla em inglês] quer dizer algo diferente em cada caso.
Como assim?
Por exemplo, as plantações de mamão papaia havaiano estavam sofrendo com uma infecção por vírus. Foi criado um um mamão que continha um fragmento do vírus e que resiste à infecção.
O arroz dourado produz a vitamina betacaroteno que é a mesma presente em cenouras. Centenas de milhares de crianças morrem anualmente por complicações por falta da substância. Esses exemplos são diferentes de grandes produção de milho. Temos de avaliar caso a caso.
Qual o papel que grandes produtoras de sementes têm nessa história?
De fato existem poucas companhias que produzem a maior parte da produção mundial de sementes. Existe uma discussão legítima em torno disso.
Isso é diferente com relação à tecnologia genética por trás da fabricação. Muito dela foi descoberta em domínio público. O mamão papaia havaiano foi feito em domínio público. O arroz dourado também.
É importante lembrar que essas companhias são muito menores que Google e Apple. Existe uma rede americana de lojas [especializadas em produtos orgânicos] chamada Whole Foods que é maior do que a Monsanto e que está distribuindo informação sobre segurança alimentar.
A gente não deve ir às empresas em busca de informação e sim recorrer às maiores organizações científicas, como a Academia Nacional de Ciências [dos EUA].
E a verdade é que todas as maiores associações científicas do mundo concluíram que todas as plantas modificadas no mercado são seguras para se comer. Além disso, algumas sementes reduziram drasticamente o uso de pesticidas.
Falando em Whole Foods, a senhora é casada com um fazendeiro que planta produtos orgânicos. Existe algum conflito?
Meu marido e eu temos o mesmo objetivo: alimentar a população crescente sem destruir ainda mais o ambiente. Fazendeiros orgânicos usam todo tipo de técnica, exceto engenharia genética.
Por que só a ela não é permitida? Qual a razão para não cruzar essa barreira?
Quando meu marido começou a plantar orgânicos, há 35 anos, não havia engenharia genética na área da agricultura, só na medicina. Até onde sei ninguém reclama dos medicamentos feitos com engenharia genética.
O fato de ser diferente na agricultura não tem lógica. É um medo antigo. Naquele tempo era compreensível, era uma tecnologia nova. Agora, é só marketing, na minha opinião, uma tentativa de fazer com que as pessoas comprem mais orgânicos.
Existe alguma vantagem da agricultura orgânica?
Eu vivo no Vale Central da Califórnia, uma área bastante produtiva. Nós temos um solo bom e um tempo seco. Nós temos pestes e doenças, mas não tantas como no Brasil. Meu marido produz diferentes variedades que não têm pestes ou doenças. Tem muitas abordagens ecológicas que são feitas e que poderiam ser aproveitadas em larga escala.
Os fazendeiros minimizam a vulnerabilidade da plantação a epidemias fazendo rotação de culturas e aplicando compostos no solo. Tem várias coisas boas e essas práticas podem ser aplicadas em qualquer fazenda –é uma questão de adaptação. Alguns fazendeiros “tradicionais” já alternam as culturas.
A senhora poderia falar de política e dos lobbies?
Nós vemos que os fazendeiros querem plantar essas sementes. Pense no milho. São 20 anos de observação no Brasil e nos EUA. Esse milho fez com que fosse reduzida a aplicação de produtos químicos em dez vezes.
O que falta na discussão são os fazendeiros. Pergunte para ele por que ele está usando aquele milho. Ele é melhor que um político, um cientista ou um ativista. É curioso como, nos EUA, os republicanos ignoram a ciência do aquecimento global, enquanto os democratas ignoram a ciência da engenharia genética.
Os consumidores estão clamando por um milho não modificado porque eles acham que é mais saudável. É a lei da oferta e da procura. O fazendeiro pode produzir aquilo, mas será 50% mais caro e ele terá de usar pesticidas mais velhos e mais tóxicos.
No Brasil mais de 80% do milho é modificado. Os fazendeiros parecem ter uma clara preferência por essas sementes.
Meu marido odeia essa ideia de que fazendeiros são ignorantes, de que eles podem ser enrolados. Eles escolhem o que querem plantar. Eu acho que é um problema se a população urbana começar a ditar o que os fazendeiros têm de fazer.
Uma questão sobre os transgênicos é o glifosato [herbicida vendido pela Monsanto para ser usado em transgênicos].
Parece que o glifosato foi ótimo para a imagem dos orgânicos e péssimo para os organismos modificados. Muitas pessoas quando ouvem falar de GMOs elas pensam em glifosato. Mas o glifosato é menos tóxico que sal de cozinha. Se você olhar a dose letal, a dose de glifosato seria altíssima. Ele ajuda muito a controlar as ervas-daninhas.
A OMS diz que o glifosato é possível causador de câncer.
Há muitos na lista, como café ou carne vermelha. Ele não causa câncer –é um possível ou provável carcinógeno, mas como meu pai diz, “tudo em moderação”. Você não vai lá e bebe glifosato. Não faz sentido. A OMS não tem nenhum dado novo. Não se fala da dose. É algo um pouco confuso. Supondo que ele fosse banido, os possíveis substitutos são ainda mais tóxicos.
Como surgiu o arroz tolerante à inundação?
Existia uma variedade antiga bastante tolerante a inundações, mas a produtividade era baixa e o gosto não é tão bom. Uma técnica nova (marker assisted breeding, cruzamento auxiliado por marcador, em tradução livre), foi usada para inserir essa característica, com sucesso. A produtividade aumentou mais de três vezes. Isso serve de exemplo de quão dramático e importante pode ser a melhoria genética.
Com as mudanças climáticas, cada vez será mais importante ter plantas que resistam ao calor, à inundação, ao frio e à seca. Temos de estar abertos a qualquer técnica ou combinação de técnicas que possam ajudar.
Parece que a questão climática é muito negligenciada.
Sim. A agricultura é responsável pela emissão de 30% dos gases-estufa. Precisamos aumentar a produtividade mas principalmente reduzir emissões de plantadeiras e outras máquinas, mas há poucas alternativas disponíveis.
Você é a favor de colocar no rótulo o fato de um produto ser geneticamente modificado ou o de herbicidas ou pesticidas terem sido usados?
Eu gosto da ideia de apontar o uso de herbicida. Isso é informativo. O consumidor pode decidir não comprar e reclamar aos órgãos competentes se achar que tem algo errado.
Já colocar que foi geneticamente modificado é perda de tempo –isso não traz informação. Como você rotularia o mamão havaiano, sendo que o orgânico tem dez vezes mais vírus? O que isso quer dizer? Ou ainda se você coloca que algo “não é modificado” tem de lembrar que esses fazendeiros podem usar mais pesticidas.
Faz mais sentido constar exatamente o que foi aplicado e quanto de água e de terra foi usado. Tem de haver uma saturação de informações precisas.
O fato de termos usado melhoramento genético por mais de dois mil anos ainda não é totalmente compreendido
De onde vem o dinheiro para suas pesquisas?
Meus financiamentos nos últimos vinte anos vieram quase exclusivamente de institutos de pesquisa do governo americano. Há 20 anos, tive um da Monsanto. As pessoas pensam que todos os cientistas da área são financiados pela Monsanto, mas eu fiz uma pesquisa e menos de 0,1% do dinheiro dos meus colegas da área vem dela.
A senhora já chegou a ser ameaçada por ativistas?
Infelizmente já recebi ameaças agressivas. Eu acho triste um cientista sair do laboratório para comunicar ao público o consenso de uma área e então se tornar uma vítima de ataques.
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RAIO-X
Idade
54 anos
Especialidade
Patologia e genética de plantas
Trajetória
Concluiu seu doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1990
Hoje é professora da Universidade da Califórnia em Davis e dirige o Instituto pelo Conhecimento em Alimentação e Agricultura da universidade
Fonte: Folha de São Paulo