Ao estabelecer condições mais claras para a realização de pesquisas sobre o patrimônio genético brasileiro, o Projeto de Lei nº 7.335, de 2014, trata de questão essencial para o posicionamento do Brasil entre os países inovadores do mundo. As nações são capazes de oferecer melhores condições de vida às populações e, por isso, o Brasil precisa estar entre elas.
A biotecnologia promete ser, em nosso tempo, o que foram a química e a eletrônica no século passado, ou a mecânica e os estudos sobre a eletricidade nos anos 1800. Tecnologias que construíram a base do que hoje entendemos por bem-estar. A biotecnologia, associada a outras áreas de conhecimento, nos trará inúmeros benefícios, da produção de medicamentos mais eficazes ao desenvolvimento de novas formas de energia, do aumento da eficiência da Agricultura à criação de insumos industriais menos danosos ao meio ambiente, contribuindo para um modo de vida sustentável.
No contexto, a Convenção da Diversidade Biológica é marco nas discussões globais sobre a biotecnologia no século 21. Porém, a aplicação sempre foi considerada problemática. Países fortemente inovadores, como os EUA, vislumbraram potencial de insegurança jurídica e travamento de atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre a diversidade genética planetária devido a exigências burocráticas de difícil atendimento, previstas na convenção. Um problema que poderia representar prejuízos para a população mundial e superaria as vantagens prometidas. Apesar disso, o Brasil, em virtude dos compromissos assumidos ao sediar a Rio 92, se apressou e foi o primeiro país a regulamentar a Convenção da biodiversidade, por meio de Medida provisória, em 2001.
A experiência brasileira com a MP foi simplesmente desastrosa. Empurrou-se para a ilegalidade toda a pesquisa feita nas universidades sobre o rico patrimônio genético brasileiro, restringiu-se e complicou-se o desenvolvimento de produtos baseados nas pesquisas por empresas brasileiras e baniu-se a possibilidade de se ter universidades e empresas estrangeiras desenvolvendo o que quer que fosse sobre o patrimônio genético.
A intenção de repartir benefícios frustrou-se inteiramente. Quando as empresas não conseguem fazer negócios, não há geração de benefícios para serem distribuídos. As poucas empresas que pensaram ter conseguido cumprir as exigências previstas na malfadada peça legislativa viram-se enredadas em processos que culminaram em multas elevadas e, ao fim, pouco proveito para quem quer que fosse.
O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados e, agora, em exame pelo Senado Federal, corrige e simplifica diversos pontos da MP. Notificações simples substituem processos complicados de obtenção de autorizações prévias (desnecessárias, por sinal). Aqueles que acreditam no avanço do conhecimento, como ferramenta do bem-estar, sempre consideram desejável a pesquisa de usos médicos ou de materiais sustentáveis, assim como o desenvolvimento de insumos biológicos para a Agricultura – e não há qualquer razão para se abrir, nas práticas administrativas, espaço para o obscurantismo.
O novo texto substitui a incerteza de se firmar acordos para repartição de benefícios com atores mal definidos, criando a contribuição para um Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, com a missão de destinar recursos a todas as finalidades prescritas na Convenção da Diversidade Biológica. As sanções aos infratores, que muitas vezes o são sem saber, tornam-se mais bem dosadas. A propriedade intelectual gerada poderá ser preservada em qualquer hipótese, ainda que transferida de mãos ou licenciada livremente aos interessados, garantindo segurança legal para o desenvolvimento de produtos a partir do conhecimento gerado.
É hora de avançarmos na direção de país inovador e inclusivo. Universidades e empresas precisam de liberdade para pesquisar, desenvolver produtos e gerar resultados para distribuí-los, da melhor maneira possível, entre todos os brasileiros, na forma disciplinada e regrada do texto agora em exame. Tamanha é a gama de possíveis aplicações da biotecnologia, que se fala hoje da emergência da bioeconomia como novo paradigma de desenvolvimento. Neste mundo, temos oportunidades reais de liderança, mas precisamos nos preparar para exercê-la.
Professor de políticas públicas da Unirio, ex-presidente do Inpi e ex-diretor da Finep