A Organização Mundial do Comércio (OMC) ontem foi palco de uma dura confrontação entre Brasil, Argentina e Índia, de um lado, e Estados Unidos, Austrália e outros países ricos, de outro. Em pauta, os bilionários subsídios domésticos para a agricultura. E as discussões mostraram como será difícil concluir as negociações para a liberalização do comércio agrícola global.
O ambiente esquentou no Comitê de Agricultura, com o debate acerca de um estudo apresentado pelo Grupo de Cairns, que reúne diversos exportadores sob a liderança da Austrália, conforme relatos de participantes ao Valor. O trabalho procurou mostrar que os subsídios totais concedidos ao campo nos dez países que mais comercializam produtos agrícolas aumentaram de forma geral entre 2001 e 2012, mas que o crescimento nas nações em desenvolvimento, que vinham de uma base mais baixa, foi mais acelerado.
Os dados também apontaram que os subsídios enquadrados na chamada “caixa amarela” aqueles que mais distorcem o comércio e precisam ser reduzidos declinaram nos EUA, na União Europeia e no Canadá, mas subiram em emergentes como China, Índia e Rússia. Pelos cálculos expostos, as ajudas nessa frente despencaram nos EUA entre 2001 e 2012, de US$ 14,5 bilhões (7,2% do valor da produção) para US$ 6,9 bilhões (1,7%). Na UE, a queda foi de € 35,5 bilhões (13,5% do valor) para € 6,5 bilhões (2%).
Já a China, em contrapartida, concedeu, conforme o estudo, US$ 13,8 bilhões de subsídios que distorcem de alguma maneira o comércio mundial em 2012. A Índia também elevou bastante a ajuda para produtos específicos e aproveitou a flexibilidade extra dada a países em desenvolvimento para elevar os volumes de US$ 8,3 bilhões (8,1% do valor da produção agrícola) para US$ 31,6 bilhões (13,7%) em dez anos.
A Rússia, por sua vez, mais que dobrou os subsídios distorcivos na comparação, de US$ 2,9 bilhões para US$ 5,5 bilhões, mas a participação desse tipo de apoio no valor da produção diminuiu. E o Brasil foi praticamente o único grande produtor mundial cujos subsídios que podem distorcer o comércio permaneceram em baixo patamar cerca de 1% do valor da produção.
A conclusão do Grupo de Cairns, em todo caso, foi que os países ricos ainda garantem com subsídios 19,3% do valor de sua produção agrícola, acima do percentual de 12,4% nos países em desenvolvimento.
A partir daí, foi a vez de a Argentina procurar desmontar as cifras australianas. O país apontou, sobretudo, a enorme transferência de subsídios para programas considerados “caixa verde”, que pelas regras da OMC são aqueles sem limites para ajudar os produtores e incluem desde a conservação de paisagem até pesquisas agrícolas.
Assim, destacou o país sulamericano, enquanto reduziam as subvenções consideradas distorcivas, EUA e UE passaram a jogar nada menos que US$ 224 bilhões na “caixa verde”, teoricamente sem riscos de serem questionados pelos parceiros. Só nos EUA, o montante pulou de US$ 50,7 bilhões (25,3% do valor da producao),em 2001, para US$ 127,4 bilhões (32,1%) em 2012.
Já a Índia explicitou o que considera ser uma enorme desigualdade no apoio aos agricultores. Dividiu o montante total de subsídios pelo número de agricultores, e chegou à conclusão que o subsídio agrícola “per capita” nos EUA aumentou de US$ 23,7 mil para US$ 57,9 mil entre 2001 e 2012, enquanto no Japão dobrou para US$ 24 mil. Na Índia também subiu, mas de US$ 51 para US$ 200, enquanto na China passou de US$ 61 para US$ 191 e no Brasil, de US$ 211 para US$ 802. A delegação indiana também argumentou que, no seu caso, os subsídios embutidos em exportações agrícolas são muito baixos comparados ao valor da produção passaram de 4% para 9%.
Alguns negociadores reagiram e mostraram que a transferência de subsídios para a “caixa verde” explodiu também na China e na Índia. Os EUA argumentaram que os cálculos argentinos e indianos eram falhos porque não levavam em conta certos tipos de subvenções que países em desenvolvimento utilizam.
O confronto continuou quando a delegação americana mostrou aos presentes um “powerpoint” onde constavam os subsídios internos na agricultura brasileira. Mas o representante do Brasil retrucou que a escala usada por Washington estava errada e que o volume de subsídios brasileiros parecia três vezes maior do que é na realidade. Mais tarde, a delegação americana quis saber se o Brasil iria, enfim, responder a questões sobre o Pepro (Prêmio Equalizador Pago ao Produtor) e sobre o PEP (Prêmio para Escoamento de Produto). O brasileiro disse que enviaria números, sem explicitar se eram aqueles que Washington cobrava.
Fonte: Valor Econômico