Um termo de ajustamento de conduta, um aditivo de quase 70% e um novo contrato não foram suficientes para colocar nos trilhos a ferrovia Transnordestina. Poucos meses depois de se envolver em um pandemônio burocrático para tentar destravar a obra, o governo se vê novamente exposto à constrangedora situação de descumprimento de prazos recém-negociados, com um agravante: as sanções previstas são financeiramente insignificantes para o bolso dos donos do empreendimento.
Originalmente estimada para 2010, a entrada em operação da estrada de ferro é uma realidade cada vez mais distante. Em julho deste ano venceu o primeiro prazo estipulado no contrato de concessão, que só foi assinado em 22 de janeiro deste ano, quase oito anos após o início das obras. O primeiro compromisso previsto no instrumento era a entrega de um lote da ferrovia no trecho entre a cidade de Salgueiro e o porto de Suape, em Pernambuco. A entrega não aconteceu, mas a punição se limitará a uma advertência.
Pelo que consta no contrato, a primeira sanção financeira para a concessionária só poderá ser aplicada em janeiro de 2015, quando tem que ser entregue o trecho de 163 km entre Salgueiro (PE) e Trindade (PE). Depois disso, eventuais atrasos só vão pesar no bolso dos donos da obra em outubro de 2016. Ainda assim, as multas serão irrisórias se comparadas ao custo total da ferrovia, hoje estimado em pouco mais de R$ 7,5 bilhões.
Responsável pela gestão do contrato, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) confirmou ao Valor o descumprimento do primeiro prazo acordado. Segundo a autarquia, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), dona da obra e acionista controladora da concessão, já foi notificada, mas as causas do atraso – que em tese vão balizar a penalidade – ainda estão sendo apuradas. São sócias da CSN na ferrovia a estatal Valec, a BNDESPar e o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE). Este último está aportando mais da metade do capital na obra.
Apesar de todo o histórico de problemas na obra, o contrato prevê apenas advertência para atrasos na entrega de lotes da estrada de ferro.
Com pouco mais de 1.700 km de extensão, a Transnordestina é dividida em cinco trechos, dois menores e três de maior porte. O mais longo tem 522 km e liga Salgueiro a Suape. No Ceará, são 510 km entre Missão Velha e o porto do Pecém. Entre Trindade (PE) e Eliseu Martins (PI) são mais 420 km. Os trechos Missão Velha-Salgueiro (96 km, já concluído) e Salgueiro-Trindade (163 km) completam o trajeto.
Multas só são aplicáveis nos casos de atraso na entrega desses trechos, que são subdivididos em lotes. Ainda assim, os valores previstos são baixos. No caso da Transnordestina, está prevista em contrato a cobrança de 30 mil VBU, como é conhecido o valor básico unitário de transporte, calculado em reais por tonelada útil. Segundo a ANTT, ainda não há um VBU específico para a Transnordestina, mas o valor médio do indicador está hoje em R$ 19,41. Se considerada esta cifra como referência, a concessionária poderia ser multada em pouco mais de R$ 582 mil se não entregar os trechos na data marcada. O valor representa 0,0078% do total da obra.
Também expirou em julho o prazo estabelecido pelo governo federal – no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – para a contratação da empreiteira que vai construir o tramo cearense da ferrovia. Desde que a Odebrecht deixou a obra, há exatamente um ano, a CSN tenta sem sucesso o acerto com uma construtora para aquele trecho. Fontes no setor da construção pesada argumentam que o orçamento atual da obra é insuficiente e já circulam informações de que a ferrovia não sai por menos de R$ 11 bilhões.
Definido em 2005, o valor inicial da Transnordestina era de R$ 4,5 bilhões. A alta dos custos com equipamentos e mão de obra elevou a cifra em quase 70%, para os atuais R$ 7,5 bilhões. A revisão só aconteceu após a assinatura, em setembro do ano passado, de um termo de ajustamento de conduta com o governo, que àquela altura já estava bastante irritado com os reiterados atrasos. Havia a expectativa de que a repactuação desse novo ritmo às obras, o que acabou não acontecendo.
Relatórios internos da CSN obtidos pelo Valor atestam a grande dificuldade que a empresa terá para tocar o projeto nos prazos e valores vigentes. Auditorias realizadas em dois trechos da ferrovia alertaram a direção da CSN para uma série de inconsistências, que poderiam resultar em explosão nos custos e nos prazos. O documento foi enviado ao Ministério dos Transportes durante a gestão de César Borges, hoje titular da Secretaria Especial de Portos. Procurado, o ministério não havia se manifestado até o fechamento da edição.
A morosidade também preocupa as empresas interessadas em utilizar a ferrovia. Entre as principais cargas previstas estão minério de ferro, soja, milho, fertilizante e gesso. No balanço referente a 2013, a Transnordestina Logística SA, subsidiária da CSN responsável pelo projeto, informou que 41% das obras estavam concluídas e que R$ 4,6 bilhões já haviam sido investidos. O atual prazo de conclusão está previsto para janeiro de 2017, quase 12 anos após o início da obra.
Procurada pelo Valor nos últimos meses, a CSN não quis se pronunciar sobre a obra. Em nota, a assessoria de imprensa da empresa se limitou a desmentir o governo. “A construção da Transnordestina está em curso, seguindo o cronograma ajustado”.
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