A ONG Associação Estadual de Cooperação Agrícola de São Paulo (Aesca) recebeu do Ministério do Desenvolvimento Agrário R$ 277.958,00 para prestar assistência técnica e promover a Feira Estadual de Produtos Agroecológicos da Economia Feminina, com mulheres assentadas de Pontal do Paranapanema, Vale do Ribeira e sudoeste de São Paulo. Mas a reportagem do Canal Rural apurou que o evento jamais foi realizado. A investigação que durou quatro meses revelou que o convênio se tratava na verdade de um esquema para desviar dinheiro e abastecer a rede de assistência ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A presidente da ONG Aesca, Simone Tomaz dos Santos, que recebeu o dinheiro, é, inclusive, uma liderança do MST.
O convênio encerrou no último dia 30 de junho. No sistema de gestão de convênios, a data da feira estava marcada para os dias 7 e 8 de março deste ano no Mercado Municipal de São Paulo. Questionados, os trabalhadores do local afirmam que não houve evento deste tipo na data. No convênio assinado com o ministério, o endereço registrado pela ONG fica no Centro de São Paulo, mas não corresponde com a sede da entidade.
– Aqui é o Brasil de Fato, um jornal – responde uma atendente, no local.
Notas apresentadas pela ONG na vigência do contrato são de R$ 90 mil, do dia 7 de março, data marcada para a feira. As mulheres assentadas teriam dormido em Guararema, na Escola Nacional Florestan Fernandes, que pertence ao MST. A entidade do movimento social embolsou o valor da nota. O local pode abrigar 230 pessoas, mas segundo a nota, 750 mulheres teriam dormido na escola, 520 a mais do que a capacidade permite.
– [A alimentação] já está inclusa na diária. Estadia, alimentação, café da manhã, da tarde, almoço e janta, com estadia, dão R$ 120 por dia – conta uma fonte da escola.
Mesmo com a alimentação incluída na diária, uma segunda nota com valor da alimentação separada, de R$ 36 mil, foi lançada. Ao todo, a escola do MST foi contemplada com R$ 126 mil.
Seguindo o rastro de desvio e irregularidades, Campinas é o endereço registrado em uma nota datada de abril deste ano. A nota refere-se a uma locação de som no valor de R$ 20.160,00. Na casa onde seria o endereço da empresa FBR Produções, funciona uma imobiliária.
Em Itapeva, no interior do estado, uma peça da engrenagem favorece o MST. Às margens de uma rodovia, fica o endereço de uma das empresas que prestou serviço para a ONG – uma agrovila ligada ao Movimento. A cooperativa recebeu R$ 16 mil referentes à venda de mais de duas mil marmitas para as mulheres assentadas. Elas teriam passado por um treinamento no local.
Partes
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo de São Paulo, responsável pela administração do Mercadão, enviou documento ao Canal Rural informando que não teve qualquer conhecimento da realização do evento.
O secretário-geral de Contas Abertas, Gil Castello Branco, explica que muitas das entidades beneficiadas possuem entre seus dirigentes pessoas ativamente ligadas ao MST.
– É desta forma que o recurso acaba saindo do ministério e chegando claramente no movimento. Isso já acontece há vários anos e nós já identificamos esse tipo de fato várias vezes. Na verdade, sai o dinheiro do ministro, vai para uma entidade que teoricamente está prestando um serviço, mas dali o recurso é repassado para uma outra entidade ou para determinada pessoa que tem ligações claras para o movimento – pontua.
Simone Tomaz dos Santos, a presidente da ONG Aesca, confirma a ligação entre as entidades:
– A Aesca é do movimento. É ligada ao movimento, então eu tenho que ter autorização dessa assessoria para falar com vocês – responde Simone ao Canal Rural.
Confrontada com a informação da administração do Mercadão sobre o desconhecimento da realização da feira, ela garante que o evento foi realizado:
– A feira aconteceu. Houve a feira e nós estamos terminando de fechar a prestação de contas dentro do prazo legal do projeto – diz.
Todos os anos, cerca de R$ 6 bilhões saem dos cofres do governo federal para abastecer convênios com Organizações não Governamentais (ONGs) – uma verba que, muitas vezes, não passa por controle.
– É preciso que exista uma fiscalização rigorosa, não só na celebração de convênios, mas também na prestação de contas, e isso não tem acontecido, visto o volume de convênios neste montante, de até R$ 6,5 bilhões do ano passado. Acaba que o governo não tem condições, não tem estrutura para fiscalizar aquilo que ele contratou perante estas entidades privadas sem fins lucrativos, e é aí que acontecem essas irregularidades – conclui Gil Castello Branco.
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário disse, em nota, ao Canal Rural que projeto foi selecionado via chamada pública em 2013 e foi contratado em 31 de dezembro do mesmo ano. Coforme o MDA, o evento está dentro do prazo para prestação de contas, “quando será possível verificar com maior precisão a execução do objeto pactuado e a documentação apresentada”.