Artigo originalmente publicado no portal JOTA.
O cobiçado e elegante bairro do Leblon, na cidade do Rio de Janeiro, conhecido por seus premiados restaurantes e agitados bares, está prestes a silenciar-se. O famoso reduto cultural e gastronômico do Rio, inspiração de muitos compositores e poetas, palco de inúmeras novelas de Manuel Carlos, será extinto para ser destinado as pessoas autodeclaradas descendentes dos índios tamoios, que habitavam a região no século XVI. E os proprietários, dos conjugados até as mansões flutuantes à beira-mar, serão denominados de “invasores”, consequentemente expulsos de seus imóveis, sem qualquer tipo de indenização.
Como assim? Existem índios aqui no Leblon? Como não vou receber nada? Quem vai indenizar meu imóvel que herdei da minha família que mora aqui desde 1940? E como ficará o comércio da região e os empregos? Como os cariocas ficarão sem o Baixo Leblon? São perguntas como essas que muitos brasileiros fazem quando são surpreendidos com um processo de demarcação de terra indígena sobre seu patrimônio, muitas vezes, fruto de trabalho de uma geração inteira.
Esse confisco étnico, defendido por uma teoria romantizada do neoconstitucionalismo, poderá ser consolidado caso o Plenário do Supremo Tribunal Federal referende a decisão liminar do Min. Edson Fachin, no Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC, na próxima sexta-feira, dia 22/05. Esse movimento silencioso pretende modificar a jurisprudência estável, integra e coerente do STF, construída a partir de 1999, quando esses precedentes originaram a Súmula 650.
A questão foi solidificada com julgamento da PET nº 3.388/RR (Raposa Serra do Sol) em 2009, que reconheceu que serão nulos de pleno direito o domínio privado das áreas que os índios estivessem ocupando na data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988), devendo a União efetivar a demarcação da terra indígena.
Esse marco temporal não é uma criação hermenêutica do STF, advém da própria leitura do artigo 231 do texto constitucional, ao utilizar o verbo “ocupar” e “ter” na 3ª pessoa do plural do presente do indicativo.
O tempo verbal e a conotação dada aos verbos do diploma constitucional acima, proporcionam uma solução pré-pronta do ordenamento jurídico, restringindo o território indígena às terras por eles ocupadas na data da promulgação da Constituição e a nulidade dos títulos de propriedades privadas incidentes sobre essas ocupações.
O estabelecimento do marco temporal pelo constituinte foi justificado pelo fato de que as constituições anteriores já garantiam e resguardavam os espaços territoriais, bem como de que a implementação do direito de reconhecimento a uma terra indígena levaria, certamente, à extinção de outro direito, o de propriedade. Até porque, se não houvesse essa previsão temporal, teríamos que devolver não só o Leblon aos índios, mas boa parte do território nacional.
Por outro lado, o marco temporal não significa extinção dos direitos dos indígenas sobre suas terras eventualmente não demarcadas, pelo contrário, denota que as reivindicações das comunidades indígenas para demarcação de novas áreas deverão ser precedidas de prévia e justa indenização das propriedades privadas eventualmente afetadas.
Porém, com olhar romantizado sobre o tema, Ministros pregam que não se pode aplicar a tese do marco temporal, por ser “um simples cálculo matemático”, “sem verificar se os índios deixaram voluntariamente o território que postulam ou seus laços culturais que os uniam a terra se desfizeram”, em outras palavras, pretendem eternizar a imprevisibilidade das relações jurídica e sociais no País.
Portanto, caso o populismo judicial prevaleça no próximo dia 22/05, o valorizado bairro do Leblon no Rio, palco de uma histórica disputa entre os índios tamoios e os portugueses durante o período colonial, estará prestes a escrever seu último capítulo.
ALCEU MOREIRA – Deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.