“Dizem que a bancada ruralista quer tomar nossas terras. Isso é mentira”, diz cacique Airton Kaingang
Mais de 60 indígenas estiveram na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (18). Na pauta, a oportunidade de dar voz a essas comunidades, sem intermediários, para identificar seus anseios e necessidades. A audiência pública faz parte de uma iniciativa liderada pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), para debater a produção agrícola indígena no Brasil.
O encontro contou com a participação de outros membros da Frente, representantes da Funai, do Mapa, da Embrapa e da AGU (Advocacia -Geral da União). “Aqui é o início de uma luta. Não vale mais debater deputado contra deputado, partido contra partido, ONG contra ONG. O que nós queremos é esta nova história escrita com a caligrafia de vocês, indígenas”, afirmou Nilson Leitão durante a audiência.
Segundo o líder indígena, José Ângelo, da tribo Nambiquara, de Rondônia (MT), há 20 anos, a comunidade já atua com projetos agrícolas. Para ele, a cultura e tradição não tem ficado de lado em momento algum. “Cultura indígena não é rótulo. Não somos alegoria. Temos que ser vistos como cidadãos, como índios produtores”, destacou o líder.
Em seu depoimento, Edinária da etnia Guajajara, liderança indígena do Maranhão, contestou que a verdadeira voz está na aldeia e a terra para os índios é uma questão espiritual. “Precisamos sim ser consultados, mas uma consulta verdadeira. Temos indígenas se alimentando de lixão no município de Grajaú (MA). Queremos dignidade”. A indígena ainda complementou que os índios querem condições para produzir com suas riquezas. “Já ouviu plantar terra com terra? Não se faz agricultura sem semente, sem manejo”, finalizou.
As autoridades presentes concordaram que os índios devem ser os principais interlocutores no processo de construção de políticas públicas para o grupo. “Esse espaço aqui no parlamento é o melhor ambiente para isso. Precisamos capitalizar as nossas comunidades indígenas. A grande questão aqui é alinhar o tradicional com o acesso à tecnologia”, disse o representante da Funai, Rodrigo Paranhos.
Para o deputado federal Adilton Sachetti (PSB-MT), a FPA não tem a menor intenção de criar embaraços com a comunidade indígena. “Queremos parceria e ajuda mútua, numa relação de respeito”. Ambos membros da Frente, os deputados Alceu Moreira (PMDB/RS) e Valdir Colatto (PMDB/SC) cobraram a participação do presidente da Funai, Franklimberg de Freitas, e de representantes do Ministério Público na audiência.
O presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, deputado federal Sérgio Sousa (PMDB/PR), se comprometeu a encaminhar ao governo federal um documento final sobre a audiência. “O Executivo precisa conhecer a posição das comunidades indígenas, do Legislativo, para a tomada de medidas necessárias”, defendeu o parlamentar.
Nas deliberações finais, Nilson Leitão sinalizou uma data provável para a realização de um seminário nacional no Congresso sobre o tema, entre 5 e 6 de dezembro deste ano. “O que está por trás desta audiência é a oportunidade de dar ao índio o direito de dizer o que deseja. É dar a voz e a vez a eles. Como deputado federal, não posso decidir o que o índio quer. Eles têm inteligência, sentimento, sensibilidade e condições de se auto representar”, encerrou o deputado.
Manifesto – Descontentes com a representatividade de organizações não-governamentais e com as políticas indígenas aplicadas pelo governo federal, os índios entregaram uma carta com reivindicações e reclamações. “ONGs e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) insuflaram o nosso povo um contra o outro e, ao mesmo tempo, utilizaram as comunidades para se manter no poder. As propostas não saíram do papel”, diz o documento.
Eles pedem ainda que seja criada uma linha de crédito para os índios que desejam produzir com objetivo de garantir a autonomia dos povos na agricultura a partir do escoamento da produção, do plantio com qualidade e da geração de renda para melhorar a qualidade de vida das comunidades indígenas brasileiras.
“A nossa comunidade está preparada para progredir. Temos condição de discutir de igual para igual, assim como os produtores. Precisamos é de oportunidades”, disse Marcelo Lins, da tribo Ofayé (MS).