O sucesso frequentemente causa ressentimento. A agricultura e a pecuária brasileiras são um case único de êxito, exemplo para todo o mudo. De país importador de produtos agropecuários nos anos 1970, o Brasil tornou-se em pouco tempo um dos maiores produtores mundiais de alimentos. Somos referência nesse setor produtivo. Quando se pensa, no mundo, em produção de alimentos, os olhos se voltam para nós.
Para que se possa melhor avaliar a nossa importância, convém ressaltar que o País é, no ranking mundial, o maior produtor e exportador de café e de suco de laranja, o segundo produtor e primeiro exportador de carne bovina e de frango, o segundo produtor e segundo exportador de soja em grão, o terceiro produtor e segundo exportador de milho, o quarto produtor e segundo exportador de farelo e óleo de soja, o quarto produtor e exportador de carne suína e o quinto produtor e o terceiro exportador de algodão. Os números são invejáveis. Deveriam ser, simplesmente, motivo de orgulho nacional.
Mas o ressentimento é um de seus efeitos colaterais. Muitas vezes por motivos ideológicos, oriundos de pessoas e movimentos sociais que têm aversão ao direito de propriedade, à livreiniciativa e ao empreendedorismo, volta-se contra os fundamentos mesmos do sucesso da agropecuária. Na verdade, tais posições terminam se voltando contra a produção e o consumo barato de alimentos, para o País e para o mundo.
Agora o motivo, o vilão, parece ser o consumo de água, como se a crise hidrológica fosse, de alguma forma, de responsabilidade da agropecuária. Cabe, porém, preliminarmente ressaltar que não há produção de alimentos sem consumo de água. Da mesma maneira, não há ser humano que exista sem consumo de água e de alimentos. Às vezes uma verdade tão banal como esta deve ser enfatizada, pois a cegueira ideológica impede ver dados básicos.
A maior parte da água usada na agricultura e na pecuária no Brasil provém da chuva, não cabendo aqui nenhuma inferência sobre um suposto desperdício indevido para essa atividade socioeconômica. Se houvesse tal desperdício, seria proveniente da prática da irrigação, necessária, aliás, para tornar produtivas imensas regiões do País que não contam com precipitação pluvial anual adequada. É o caso, por exemplo, do Nordeste, que necessita, por suas condições próprias, de agricultura irrigada.
Se não fosse isso, teríamos de abandonar enormes regiões do País à miséria, ao desemprego e à baixa renda. Ademais, mesmo na irrigação por sulcos, a partir do desvio de córregos e rios para a lavoura, o excedente volta a fazer parte do ciclo hidrológico, alimentando o lençol freático. É uma forma de produção de alimentos, completamente diferente da água desperdiçada, isso sim, nos consumos urbano e industrial.
Mas até mesmo nesse caso os números não confirmariam tal suposta hipótese. A área da produção agrícola brasileira é constituída de 63.765 milhões de hectares, produzindo 921.118 milhões de toneladas de produtos agrícolas. Ora, desses milhões de hectares, só 4,5 milhões correspondem à área irrigada. Menos de 10% da área total!
A agropecuária brasileira é um setor de ponta. Setor moderno que, em muito, se antecipou a muitos de seus críticos. Dentre as tecnologias recomendadas para a adequação de propriedades a captação da água das chuvas, recarga de lençóis freáticos e revitalização de riachos e mananciais, destaca-se a construção de barragens ou mini-açudes para a captação de enxurradas, que promovem a infiltração da água no solo e a intercepção de fluxos de erosão laminar. Dessa maneira, aumentam a umidade do solo e a elevação do lençol freático.
Ora, essas tecnologias para a construção de mini-barragens têm sido implementadas em diversas regiões do País, desde 1993, graças ao trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Os benefícios sociais, econômicos e ambientais são enormes. Segundo essa instituição, 150 mil barraginhas tiveram diretamente o seu envolvimento, com mais de 600 técnicos das Emateres sendo formados em 12 anos. Fruto de todo esse trabalho e do empreendedorismo da iniciativa privada, outras 300 mil barragens foram construídas no País.
Note-se o expressivo número de barragens e mini-açudes construídos pelos empreendedores rurais de nosso país que se dedicaram, por eles mesmos, à implementação dessa tecnologia que tanto favorece o ciclo hidrológico. Antes de o problema do desperdício ser apresentado, medidas foram tomadas. A agricultura e a pecuária anteciparam-se aos problemas que, hoje, estão sendo vividos.
Outras tecnologias de conservação do solo e da água vêm sendo igualmente utilizadas, como, por exemplo, o plantio direto, os sistemas integrados e o terraceamento. Do mesmo modo, o setor vem adotando a integração lavoura-pecuária-floresta, juntamente com o plantio direto e a construção de terraços, com o objetivo de garantir a “produção” de água nas fazendas, por intermédio da intensificação da infiltração de água no solo, elevando os níveis dos aquíferos e do lençol freático.
Muito se fala hoje de reúso nos meios urbanos, sem que se atente devidamente para que tal técnica já é utilizada no meio rural, com aproveitamento de águas de qualidade inferior. Os sistemas de utilização da água estão sendo igualmente aprimorados, com gotejamento em determinadas lavouras e a irrigação noturna.
Ora, o conjunto dessas práticas propicia uma intensificação sustentável da agropecuária de enorme impacto em todo o ciclo hidrológico. A agricultura e a pecuária brasileiras não esperaram a crise da água para agir. Graças ao empreendedorismo de seus membros e ao acolhimento de pesquisas científicas e tecnológicas feitas por universidades e centros de pesquisa, com especial destaque da Embrapa, o setor agropecuário pôs-se adiante de seu tempo. Sua modernidade e sua pujança são reconhecidas internacionalmente. Eis a nossa contribuição para o Brasil.
JOÃO MARTINS DA SILVA JUNIOR É PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA)