Pelo conceito de produto por valor agregado, no comércio exterior brasileiro, carne “in natura” é classificada como produto básico, assim como soja, minério de ferro, café em grão, algodão em bruto, mármores e granitos. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, por esse critério, “os produtos básicos são aqueles que guardam suas características próximas ao estado em que são encontrados na natureza, ou seja, com um baixo grau de elaboração”.
Já os produtos industrializados, aqueles que sofrem transformação substantiva, são divididos em semimanufaturados, “aqueles que ainda não se encontram em sua forma definitiva de uso (óleo em bruto, açúcar em bruto)”, e manufaturados (açúcar refinado, laminados planos e papel).
O ministério informa que essa classificação é utilizada no comércio exterior brasileiro desde meados dos anos 1960.
Levando em conta o fator “etapas de transformação”, as carnes, ainda que “in natura”, deveriam ser consideradas “manufaturados”, pois são exportadas depois de agregação de valor no processo de transformação do milho e da soja em farelo e, em seguida, em ração animal. O passo final é a produção do frango e do suíno, que são abatidos, processados ou customizados para serem destinados ao mercado externo.
O frango é um produto originado do milho e da soja transformados. Nesse processo entram vacinas, tecnologias de melhoramento animal, de criação e de terminação. Deveria a carne de frango exportada ser considerada um produto básico?
Em junho, uma tonelada de soja valia US$ 500, uma tonelada de carne de frango, US$ 2.030, uma tonelada de carne suína, US$ 3.800. A soja, sim, é um produto básico, uma commodity, mas a carne de frango e a suína deveriam ser classificadas de acordo com a transformação pela qual passaram os grãos.
Se tal conceito valesse para as exportações dessas duas importantes proteínas animais, cujos embarques ao exterior, em 2013, somaram US$ 10 bilhões, o equivalente a 4% das vendas externas totais do Brasil, o montante dos manufaturados subiria bastante e essa categoria de produtos deixaria de perder participação.
A classificação utilizada no comércio exterior brasileiro é antiga. Talvez devêssemos classificar nossos produtos de exportação em baixo, médio e alto valor agregado, dependendo das transformações pelas quais eles passam.
As carnes, por exemplo, poderiam ser classificadas como produtos de médio ou alto valor agregado. Já outros produtos do agronegócio, como o etanol e o suco de laranja, que também passam por transformações em seu processo de produção, são classificados como manufaturados, embora sejam comercializados como commodities.
Se as exportações de frango, em vez de serem transformadas em carne, fossem realizadas em grãos, à razão de 1,7 kg de ração para 1 kg de carne, a receita seria de U$ 2,6 bilhões e não de U$ 8 bilhões.
Nos últimos anos, o Brasil tem exportado menos produtos manufaturados e mais básicos. De acordo com dados da OMC (Organização Mundial do Comércio), em 2012, no ranking em que são computadas apenas exportações de produtos manufaturados, a Coreia do Sul ocupou a 5ª posição, enquanto o Brasil se classificou em 28º lugar.
Ao mesmo tempo que consideramos oportuna e muito importante a discussão sobre a perda de competitividade dos nossos bens industrializados, é preciso levar em conta o peso de alguns setores agroindustriais nas exportações e na competitividade, na geração de empregos e no desenvolvimento de cidades e regiões do país.
O Brasil que transforma e cria riqueza precisa de políticas mais eficientes em matéria tributária, trabalhista, de infraestrutura e logística, de sanidade e de comércio internacional. Políticas que incentivem a agregação de valor aos produtos exportados.
FRANCISCO TURRA, 71, é presidente-executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e ex-ministro da Agricultura (governo FHC)
*Publicado no Jornal Folha de São Paulo (04/08/2014)