Cortejado, agronegócio analisa cenário da corrida presidencial para 2014
Maioria do setor tende a apoiar a oposição nas eleições presidenciais; Dilma se apega à neoaliada Kátia Abreu, por Pedro Venceslau – em O Estado de S.Paulo, na edição deste domingo
Responsável por 23% do Produto Interno Bruto nacional, um terço dos empregos e 37% das exportações, segundo dados oficiais, o agronegócio ensaia, com o apoio da maioria de seus líderes, protagonizar uma campanha contrária à reeleição da presidente Dilma Rousseff no ano que vem.
O setor condena a petista por “esvaziar” o Ministério da Agricultura e “abandonar” o programa de etanol. A petista, de seu lado, tenta se apegar ao simbolismo do apoio da senadora Kátia Abreu (TO), presidente da poderosa Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e recém-convertida ao governismo do PMDB.
O Estado conversou na semana passada com os principais dirigentes do agronegócio brasileiro a fim de medir o ânimo do setor para a campanha presidencial de 2014.
Os principais dirigentes sinalizam que apoiarão um candidato da oposição. Apesar de elogiarem os esforços de aproximação do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), não digerem
a aliança dele com a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Com isso, o mais provável é que o senador mineiro Aécio Neves, nome do PSDB à Presidência, herde o apoio da maioria dos ruralistas.
Nas últimas semanas, os dois prováveis candidatos de oposição protagonizaram uma disputa pelo apoio de líderes do setor. Ouviram muitas queixas.
Os produtores de cana reclamam, por exemplo, que o etanol paga mais impostos que a gasolina, que tem seu preço mantido artificialmente muito abaixo do mercado internacional. “Existem duas questões muito sensíveis em relação a Dilma. Uma é o descalabro da política de agroenergia, que é algo incompreensível. Isso gera uma crítica duríssima de um setor importante e que afeta muito o Estado de São Paulo. A outra é o Ministério da Agricultura, que se transformou em uma moeda de troca de caráter político-eleitoral”, diz o ex-ministro Roberto Rodrigues, titular da Agricultura no governo Lula.
Geografia. Além da resistência a Marina, Aécio leva vantagem nesse movimento por ter governado Minas Gerais, um Estado forte na produção agrícola, e contar com interlocutores influentes no setor. Entre eles estão Alyisson Paulineli, ministro da Agricultura no governo Ernesto Geisel, e Pedro Partente, presidente do Conselho Deliberativo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e ex-chefe da Casa Civil no governo de Fernando Henrique Cardoso. O próprio Roberto Rodrigues, que atuou no governo Lula, está hoje inclinado a apoiar publicamente o nome do tucano na campanha do ano que vem.
“Já me reuni com o Campos e ouvi que ele seria o interlocutor para quebrar o gelo com a Marina. Mas o setor tem ojeriza por ela. A ex-ministra fez um grande desserviço ao País”, afirma Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). Apesar de dizer que ainda “não tomou posição”, ele faz duras críticas a gestão Dilma. “O segundo escalão do governo está impregnado com pessoas que têm ideologias que atravancam o processo. Muitas obras não saem do papel porque têm não licença ambiental” , afirma Silveira.
“O José Serra ganhou nos principais Estados agrícolas brasileiros em 2010. O apoio a oposição tende a se repetir em 2014. Nosso grande objetivo é provocar o segundo turno”, afirma Cesario Ramalho, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade de congrega vários segmentos do agronegócio.
Luiz Claudio Paranhos, presidente Associação Brasileira dos Criadores de Boi Zebu, diz que a aproximação com Aécio é “natural”. ” A influência de Marina em um eventual governo Eduardo Campos preocupa o setor”.
Joesley Batista, do Grupo JBS, ainda se mostra disposto a abrir as portas para a candidatura de Campos. “O Eduardo (Campos) tem ideias próprias. A gente não vê o posicionamento da Marina sendo transmitidos a ele”.
Defensora. Kátia Abreu tenta acertar o discurso para adaptar a ideologia do setor, tradicionalmente conservador, à sua candidata. “Não sentimos que a presidente seja aquela petista tradicional. Existe uma independência da Dilma em relação às questões partidárias. Sabemos que o PT não gosta dela”, diz.
Cotado para ser candidato a vice-governador em São Paulo na chapa do ministro da Saúde petista, Alexandre Padilha, o empresário do setor sucroalcooleiro Maurílio Biagi reconhece que aproximação com Dilma não será fácil. “O descaso com o setor da cana é contundente. Nesse quesito, o governo de São Paulo foi mais parceiro que o governo federal”, afirma.
“Pergunta para esses que se dizem líderes do agronegócio se eles conhecem o PSI (linha de crédito que financia a compra de peças e equipamentos usados na produção). Nunca se equipou tanto a produção no Brasil”, afirma Kátia Abreu. A senadora relativiza a influência de Aécio e Campos. “No caso de Campos, a questão é grave. Marina não se aliou com ele para brincar. Já o Aécio não tem ligação com os produtores rurais. Ele praticamente vive no Rio de Janeiro”, afirma.
Demarcação de terras indígenas é ponto sensível
BRASÍLIA – A demora do governo Dilma Rousseff em tomar uma decisão sobre as demarcações de terras indígenas é considerada hoje o principal fator de afastamento dos ruralistas da campanha da presidente pela reeleição e o que mais tem potencial de aproximá-los dos presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB).
O problema começou em maio, quando os ruralistas intensificaram as críticas ao modelo de demarcação adotado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Naquele mês, conflitos entre fazendeiros e indígenas se acentuavam pelo País, sobretudo em Mato Grosso do Sul. O governo, então, suspendeu o processo de demarcações no Rio Grande do Sul e no Paraná e anunciou que iria analisar a situação de Mato Grosso do Sul e Santa Catarina.
Prometeu ainda que no mês seguinte colocaria em prática um novo modelo para as demarcações em que outros órgãos, como a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), passassem a ser consultados.
Somente na semana passada, porém, o governo apresentou a ruralistas e índios a minuta da proposta, elaborada pelo Ministério da Justiça e pela Advocacia-Geral da União. Seria criado um órgão consultivo com representantes de nove ministérios, mas a decisão continuaria com a Funai. Desagradou a ambos os lados. Os indígenas exigem a manutenção do modelo centralizado na Funai, enquanto os representantes dos produtores rurais não gostaram de que órgãos como a Embrapa tenham papel apenas consultivo.
Insatisfeitos, índios fizeram uma marcha na Esplanada e parte deles tentou invadir o Palácio do Planalto na quarta-feira. Os ruralistas convocaram um protesto para a próxima quarta-feira. Coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) reclama da “enrolação” do Executivo. “Precisamos ter uma decisão. É preciso respeitar os direitos dos produtores que estão há várias décadas nas terras e não podem ser retirados com base em laudos antropológicos fraudados”, diz ele, que também cobra um posicionamento de Aécio e Campos.
‘Ônus’. Líder do PSD, bancada repleta de parlamentares ligados ao setor, o deputado Eduardo Sciarra (PR) diz que a proposta apresentada “deixa a desejar”. Ele alerta que um adiamento desta questão terá influência no debate eleitoral. “Se não resolver agora vai entrar no debate eleitoral e é uma situação que vai trazer ônus para o governo.”
Aliados do governo no setor têm alertado que a questão indígena tornou-se a principal demanda e que não resolvê-la pode jogar por terra medidas tomadas pela presidente como a ampliação do seguro rural e o desenvolvimento de um plano safra negociado com o setor.
O objetivo dos ruralistas é aplicar às demarcações condicionantes semelhantes às adotadas pelo Supremo Tribunal Federal no caso da reserva Raposa Serra do Sol. As condicionantes proíbem a ampliação de áreas existentes, dão à União poder para relativizar o usufruto dos índios e prevê que os entes federados tenham “efetiva participação” nas demarcações.
Como alternativa à demora do governo, ruralistas retomaram também a pressão sobre o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para a criação de uma comissão especial para avaliar a proposta de emenda à Constitucional (PEC) que submete todas as demarcações a decisões do Congresso. Alves tem resistido a levar adiante a PEC na espera de uma resposta do governo.
Bancada tem tendência ‘governista’ em votações
DANIEL BRAMATTI – O Estado de S.Paulo
Apesar das reclamações de líderes do agronegócio em relação à presidente Dilma Rousseff, os defensores do setor na Câmara dos Deputados são quase tão governistas quanto a média dos integrantes da Casa.
Segundo o Basômetro, ferramenta do Estadão Dados que mede a taxa de governismo de parlamentares, partidos e bancadas temáticas, os chamados deputados ruralistas tiveram taxa média de governismo de 76%, 71% e 68% em 2011, 2012 e 2013, respectivamente. Esse índice é apenas um pouco inferior à taxa média de governismo no período, de 79%, 76% e 72%.
A taxa da bancada ruralista equivale à média da “nota” de cada integrante da bancada. A taxa individual, por sua vez, leva em consideração a porcentagem de vezes em que o deputado votou segundo a orientação do Palácio do Planalto.
Reportagem do Estadão Dados publicada no ano passado já havia mostrado que os deputados seguem muito mais a orientação dos líderes de seus partidos que o posicionamento das bancadas temáticas – e isso vale tanto para ruralistas como para ambientalistas e evangélicos.
A frente ruralista contrariou o governo abertamente em três votações do Código Florestal na Câmara, ocasiões em que saiu vitoriosa. Mas o movimento contra os interesses do Palácio do Planalto, nesses episódios, não foi capitaneado apenas pelos ruralistas. Os líderes dos principais partidos aliados ao governo orientaram suas bancadas a votar na contramão do líder do governo (caso do PMDB) ou liberaram seus correligionários para votar como quisessem (PP, PR, PTB e PDT). Foram, portanto, exemplos de infidelidade da base.
O fenômeno se repetiu em duas outras derrotas na Câmara e uma no Senado. Em nenhuma os ruralistas tinham interesse direto no projeto votado.
Em contrapartida, o governo conseguiu aprovar projetos que, em tese, contrariam interesses de fazendeiros, como a emenda constitucional que tornou mais rigorosa a punição a quem explora o trabalho escravo. Nessa última, a grande maioria dos ruralistas votou conforme a orientação do governo: 112 a favor e 25 contra.